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Precários de todos os países, uni-vos

Greve dos entregadores, nesta quarta, pode ser esboço de novas lutas. O 0,1% nada produz — mas extrai, saqueia e devasta. Contra ele, é preciso somar as periferias do mundo e a antiga classe média, em extinção. Fazê-lo é nosso desafio

Por Nouriel Roubini | Tradução: Simone Paz

As grandes manifestações e protestos que se seguiram ao assassinato de George Floyd por um policial de Minneapolis discutem racismo estrutural e brutalidade policial nos Estados Unidos, mas não só. Aqueles que foram às ruas em mais de cem cidades norte-americanas, direcionam uma crítica mais ampla ao presidente Donald Trump e ao que ele representa. Uma vasta subclasse de americanos cada vez mais endividados e socialmente paralisados — afro-americanos, latinos e, cada vez mais, brancos — vêm se revoltando contra um sistema que fracassou.

Esse fenômeno não se limita apenas aos EUA, é claro. Somente em 2019, manifestações expressivas abalaram Bolívia, Chile, Colômbia, França, Hong Kong, Índia, Irã, Iraque, Líbano, Malásia e Paquistão, entre outros países. Embora cada um desses episódios tenha alcançado estopins diferentes, todos eles refletem um ressentimento causado pelo mal-estar socioeconômico, pela corrupção e pela falta de oportunidades econômicas.

São esses mesmos fatores que ajudam a explicar o crescente apoio e ascensão de líderes populistas e autoritários nos últimos anos. Após a crise financeira de 2008, muitas empresas procuraram aumentar seus lucros cortando custos — a começar pelo trabalho. Em vez de contratar trabalhadores com contratos formais de emprego, com bons salários e benefícios, as empresas adotaram um modelo baseado no trabalho de meio período, por hora, por “bicos”, de freelancers, criando o que o economista Guy Standing chamou de “precariado”.

Dentro desse grupo, ele explica, “as divisões internas levaram à demonização dos imigrantes e de outros grupos vulneráveis, onde alguns são suscetíveis aos perigos do extremismo político”.

O precariado é a versão contemporânea do proletariado de Marx: uma nova classe de trabalhadores alienados e desamparados, propensos à radicalização e mobilização contra a plutocracia (ou o que Marx chamava de burguesia). Essa classe está crescendo novamente, ainda mais agora, que as corporações muito capitalizadas respondem à crise da covid-19, tal como aconteceu em 2008: recebendo resgates e atingindo suas metas de ganhos, enquanto reduzem os custos trabalhistas.

Uma parte desse precariado é formada por conservadores religiosos brancos mais jovens e com menos escolaridade, em pequenas cidades e áreas semi-rurais, que, nos EUA, votaram em Trump em 2016. Eles esperavam que o presidente realmente faria algo a respeito do “caos econômico” que descreveu em seu discurso inaugural. Mas, embora Trump concorresse como um populista, governou como um plutocrata, cortando impostos para os mais ricos, atacando trabalhadores e sindicatos, minando o Affordable Care Act [também conhecido pelo nome de Obamacare ou “Lei de Proteção e Cuidado ao Paciente”] e favorecendo políticas que prejudicam muitas das pessoas que votaram nele

Muito antes da chegada da covid-19 ou até mesmo de Trump, cerca de 80 mil estadunidenses morriam por anos de overdose de drogas, e muitos outros eram vítimas de suicídio, depressão, alcoolismo, obesidade e outras doenças relacionadas ao estilo de vida. Como mostram os economistas Anne Case e Angus Deaton em seu livro Deaths of Despair and the Future of Capitalism [“As mortes do desespero e o futuro do capitalismo”], essas patologias têm afetado cada vez mais uma classe de brancos desesperados, menos qualificados, desempregados ou subempregados — grupo no qual a mortalidade de pessoas de meia-idade tem aumentado.

Mas o precariado norte-americano também inclui progressistas urbanos, mais velhos e com formação universitária, que nos últimos anos têm se mobilizado a favor de políticos de esquerda como os senadores Bernie Sanders, de Vermont, e Elizabeth Warren, de Massachusetts. É esse grupo que vai às ruas para exigir não apenas justiça racial, mas, também, oportunidades econômicas (de fato, ambas questões estão diretamente relacionadas).

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/movimentoserebeldias/precarios-de-todos-os-paises-uni-vos/

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