Especulação. Catracas. Serviços públicos privatizados. Uber. Airbnb. Ampliam-se as pautas que colocam as populações urbanas em choque contra mega corporações transnacionais. Pode estar aí a grande disputa política do século XXI
Por Rede Ritmo | Tradução: Simone Paz
No mundo todo, as cidades vêm se transformando em campos de batalha fundamentais contra o crescente alcance e poder das corporações transnacionais — e todos os males sociais e ambientais causados por elas.
Isso tem se tornado mais evidente nos setores urbanos tradicionais, como o de construção e o de serviços públicos, mas também na indústria cada vez mais destrutiva do turismo, nas “rupturas” causadas ou planejadas pelas empresas de tecnologia e plataformas, e na tomada especulativa dos espaços habitáveis das cidades. O conflito também transparece nos inúmeros obstáculos que as transnacionais e seus aliados impõem às prefeituras, comunidades, grupos urbanos ou movimentos que procuram enfrentar a emergência climática por meio de ações decisivas ou do desenvolvimento de alternativas para a prestação de serviços básicos, para proteger direitos ou para garantir o fornecimento confiável de alimentos ou de energia.
Da privatização da água ao Airbnb e Uber, da luta contra os carros e a poluição até a promoção de uma economia “relocalizada” que não desperdice dinheiro em benefício de acionistas remotos, está se armando uma batalha que coloca cidades e cidadãos contra as multinacionais e o poder das finanças.
É também uma batalha da qual as cidades e os movimentos urbanos estão cada vez mais conscientes — já que buscam unir forças por meio de redes e alianças para compartilhar suas experiências e desenvolver estratégias comuns. O movimento “municipalista”, particularmente forte na Espanha, mas que já se espalhou mundo afora, é a expressão dessa consciência (embora seja um rótulo que nem todos autores dos artigos de nosso dossiê usariam naturalmente).
Esta publicação é uma primeira tentativa de enxergar de modo abrangente o confronto entre cidades e poder das transnacionais, que se desenvolve em muitos setores diferentes e de maneiras diferentes. Inclui artigos escritos por ativistas, jornalistas, funcionários e acadêmicos de diferentes países europeus. Conta histórias de resistência e de construção, de despertar coletivo e de movimentos de massa, de líderes sociais ou políticos corajosos. Não são só histórias sobre prefeitos e prefeituras, mas também sobre movimentos sociais urbanos, grupos da sociedade civil e comunidades e trabalhadores empobrecidos que se posicionam e reivindicam seu “direito à cidade”. Limitamos nosso escopo à Europa por razões pragmáticas e para enfatizar a experiência compartilhada das cidades europeias nos últimos anos. Mas é claro que histórias iguais, ou similares, podem ser encontradas em todo o planeta.
Sabemos que o termo “cidades” é bastante contestado, tanto do ponto de vista científico como político. Nossa ênfase nas cidades não é devida a sua configuração urbana ou qualificação administrativa, mas porque as reconhecemos como um espaço político de luta e articulação de maiorias sociais que, na era atual, facilitou a articulação de novas formas e práticas para controlar o poder das transnacionais. Também estamos cientes da dependência das cidades em relação aos recursos extraídos do mundo rural. Não podemos romantizar as cidades como um espaço de transformação política sem antes analisar e reconhecer esse fato.
Por fim, esta publicação aborda o confronto entre democracia e poder corporativo. Há uma noção crescente de que o atual sistema político, baseado no modelo de freios e contrapesos herdado das revoluções liberais, perdeu sua legitimidade. As transnacionais, com sua inigualável influência político-econômica, sentem-se “livres” de mecanismos eficazes de responsabilização dentro dos processos de tomada de decisão em nossas democracias. Seu poder desenfreado tem grandes efeitos em nosso modo de vida, como indivíduos e habitantes urbanos, e no que somos capazes de decidir coletivamente para gerenciar nossos interesses e expectativas compartilhados.
Saiba mais em: https://outraspalavras.net/mercadovsdemocracia/cidades-versus-capitalismo-global-os-proximos-conflitos/
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