O Brasil pode ter ‘voltado no tempo’ em quase 500 anos nos esforços para a conservação dos manguezais.
André Shalders
No fim de setembro, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) revogou, por articulação do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), três resoluções sobre temas ambientais. Uma delas, a de nº 303, de 2002, tratava da proteção das áreas de mangues (além de restingas e dunas).
A revogação, dizem especialistas, coloca em risco o bioma alagado que é a área protegida mais antiga no Brasil: a primeira norma protegendo os manguezais é um Regimento editado pela Coroa portuguesa em 4 de fevereiro de 1577, há 443 anos e oito meses.
E esta não foi a única norma criada pela antiga metrópole portuguesa para defender as áreas inundadas. Os mangues também foram protegidos por um Decreto de 1664 e por uma Carta Régia de 1678.
As informações foram levantadas pela bióloga Norma Crud Maciel, morta em 2018, e são citadas no Atlas dos Manguezais do Brasil, editado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Naquele momento, o objetivo dos monarcas portugueses não era exatamente manter o equilíbrio ambiental, conceito inexistente à época. A ideia era preservar o bioma para garantir o acesso à casca das árvores do mangue, da qual é extraído tanino. A substância é usada no tratamento do couro, e tinha importância econômica para a então colônia.
Fim das restrições ao desmatamento
No fim de setembro deste ano, o Conama revogou quatro resoluções que tratavam de diferentes áreas da política ambiental do país. A reunião em que as resoluções foram derrubadas foi convocada poucos dias antes pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que articulou pela derrubada.
Duas das resoluções eliminadas restringiam o desmatamento e a ocupação em áreas de restinga, manguezais e dunas.
Na prática, o fim das normas, que estavam em vigor desde 2002, criou a possibilidade de ocupação em áreas de restinga numa faixa de 300 metros a partir da praia. Antes, essas áreas eram consideradas como sendo de proteção ambiental.
Na mesma reunião, o Conama também permitiu a queima de lixo tóxico — como embalagens de defensivos agrícolas, por exemplo — em fornos usados originalmente para a produção de cimento.
Além disso, o conselho também derrubou uma resolução que criava normas para projetos de irrigação.
Quanto aos manguezais, o fim das resoluções significou a liberação da criação de camarões (carcinicultura) em áreas conhecidas como “apicuns”. Estas são áreas que fazem parte do bioma do manguezal, apesar de não possuírem as árvores características.
A questão também se tornou objeto de um vai-e-vem judicial: no fim de setembro, uma juíza federal do Rio de Janeiro decidiu anular, de forma provisória (liminar), a decisão do Conama.
No entanto, alguns dias depois, no começo de outubro, o desembargador Marcelo Pereira da Silva, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) atendeu a um pedido da União e suspendeu a liminar. Com isso, as resoluções permanecem revogadas.
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