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As três faces do retrocesso – e da recolonização

Com o advento da Indústria 4.0, Brasil pode perder ainda mais força econômica – e se tornar território de produtos primários e fábricas simplórias e poluentes. Por que, se mantidas as políticas atuais, esta ameaça é cada vez mais real

Por Ricardo L. C. Amorim

Não. O ano de 2020 não deixará saudades. A pandemia espalhou dor pelo mundo e foi ainda mais rigorosa nas áreas pobres do globo, onde somou-se ao flagelo de antigas mazelas sociais. Os números da saúde pública, porém, não contam o tamanho inteiro do drama. No Brasil, por exemplo, o volume de críticas dirigidas por especialistas à gestão da crise realizada pelo Governo Federal evidencia problemas que colocam em xeque, não apenas o controle da doença, mas também a recuperação da economia. Do ponto de vista exclusivamente econômico, a crise elevou o desemprego e queimou pequenos capitais em volumes nunca vistos. Ao mesmo tempo, desabou o investimento, a arrecadação tributária e tornou instáveis os cenários econômico e político. Por fim, restou o trabalho precarizado (ou uberizado) como último recurso para muitos moradores das grandes cidades.

O mais preocupante, todavia, é que o momento difícil não encerrará a tempestade, nem mesmo depois da chegada da vacina. Pelo contrário. A economia brasileira, frágil antes da covid-19 chegar ao país, está ameaçada por velhos problemas que, hoje, estão agravados por responsabilidade de importantes atores sociais. E quais são as ameaças? Três se destacam: a semi-estagnação no curto prazo, o aumento da pressão inflacionária no médio prazo e o retrocesso da estrutura produtiva no longo prazo.

As três ameaças estão intimamente relacionadas à gestão macroeconômica realizada por governos recentes e se manifestaram a partir do sucateamento (nada acidental) da indústria de transformação nacional. Desde, então, soma-se quatro décadas desde que o Brasil escolheu abandonar o esforço industrial e o crescimento para se concentrar na estabilização de preços. Assim, o setor que capacitou o país a exportar carros e aviões foi se tornando figurante na cena brasileira. Os números do Banco Central surpreendem: entre 1970 e 1979, o PIB saltou 109%. Já entre 1980 e 1989, a taxa de crescimento não passou de 22,2%, permanecendo neste patamar entre 1990-1999 (23,9%). Entre 2000 e 2009, a atividade cresceu a partir de 2004, alcançando 33,5%. O pior viria, porém, entre 2010 e 2019: a produção se elevou apenas 6,3%.

Na origem dos problemas parece estar a manipulação da taxa de câmbio para enfrentar os problemas causados pela inflação. No Brasil, por mais de uma década, o valor do dólar foi reduzido artificialmente a fim de baratear itens importados, pressionando para baixo a valia dos bens produzidos e comercializados no país. “A inflação aleija, mas o câmbio mata”, já afirmava o ex-ministro Mario Henrique Simonsen. Assim, os novos preços estabeleceram uma concorrência desleal com o produto nacional, resultando em direcionamento de compras de insumos ao exterior e no esvaziamento de cadeias produtivas e no fechamento ou venda de empresas nacionais ao capital estrangeiro. Uma tal política, se mantida por muito tempo, transforma ajustes conjunturais em permanentes e o valor do dólar passa a ser estratégico para indústrias que se tornaram dependentes da importação de insumos baratos. Diante disso, frágil demais para competir, a indústria brasileira realizou poucos investimentos, quase não fez P&D e importou máquinas e equipamentos com trajetória tecnológica definida alhures.

Naturalmente, a indústria de transformação brasileira perdeu participação no PIB, na geração de empregos, na pauta de exportações e em sua capacidade de inserir tecnologia e inovação no conjunto da economia. O Brasil, por sua vez, reduziu seu potencial de crescimento, de inovação tecnológica e não elevou a produtividade. Os setores que se destacaram foram: a grande agropecuária para exportação, dona de cadeias de produção relativamente curtas, compradora de tecnologia preponderantemente importada e poupadora de mão de obra, e o setor de serviços, dominante no PIB e composto majoritariamente por atividades pouco sofisticadas, de menor valor agregado e empregos mal remunerados. Logo, sob o domínio da grande agropecuária de exportação e dos serviços simples, o conjunto da produção brasileira só é competitivo em atividades intensivas em recursos naturais. De outro modo, se a inércia guiar o futuro, a economia brasileira não terá espaço para crescer e tenderá à semi-estagnação no curto (e talvez, médio) prazo.

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/crise-brasileira/as-tres-faces-do-retrocesso-e-da-recolonizacao/

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