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Saberes ancestrais, riqueza amazônica quase inexplorada

Uma Amazônia possível emerge em seminário na USP. Povos da floresta multiplicam ações locais e sustentáveis. É preciso fortalecê-las, mas também aprender com elas a superar visão arcaica de que matas são obstáculo econômico

Por Ricardo Abramovay

Durante os quatro anos de seu trabalho de campo na Terra Indígena Kaxinawá, em Feijó, no Acre, Tomaz Lanza localizou nada menos que 115 espécies vegetais comestíveis, de 26 famílias botânicas, representando 144 variedades locais. Eram 20 variedades de banana, 19 de mandioca e 11 de milho. Além disso, o doutorado de Lanza identifica 65 espécies utilizadas de plantas alimentícias silvestres, representativas de 22 famílias botânicas. Nesta entrevista, ele faz um excelente resumo de seu trabalho.

Vão na mesma direção os dados apresentados por Manuela Carneiro da Cunha, professora emérita da Universidade de Chicago (EUA), no seminário realizado pelo Grupo de Pesquisa em Governança Florestal, da USP (Universidade de São Paulo), que teve início no dia 22 de outubro último. Esta impressionante diversidade exprime práticas de populações descendentes de sociedades que, no período pré-colombiano, povoaram a Amazônia, chegando a alcançar, como mostram os trabalhos arqueológicos de Eduardo Neves, nada menos que oito milhões de pessoas. Na verdade, a riqueza da nossa maior biodiversidade florestal é tributária não apenas da natureza, mas também da cultura material e espiritual de povos que a habitaram por milhares de anos — e que foram quase inteiramente destruídos a partir da chegada dos europeus.

Apesar deste processo destrutivo, populações indígenas desempenham, até hoje, dois papéis decisivos. Por um lado, as áreas em que vivem, no mundo todo, são as mais preservadas e contêm uma quantidade de carbono que, se liberada na atmosfera, poria a perder o gigantesco esforço que o mundo vem fazendo na luta contra as mudanças climáticas. Esta é uma das principais razões que explicam a imensa preocupação não só das organizações multilaterais de desenvolvimento, mas até de fundos privados de investimento com a floresta e os povos que nela habitam e dela vivem.

Além disso, os conhecimentos acumulados por estas populações representam valores fundamentais não apenas do ponto de vista prático, tecnológico e instrumental, mas sobretudo na maneira como são vividas e elaboradas as relações entre sociedades humanas e natureza. Estimular ou permitir a destruição destes modos de vida, sob o pretexto de “integrar” estas populações, é sacrificar uma imensa riqueza da qual elas são portadoras e da qual se orgulham.

É claro que estes modos de vida não são e não pretendem ser modelos para os comportamentos de quem não pertence a estas comunidades. Mas fortalecer estas populações, oferecer-lhes o acesso a meios de comunicação modernos, (a começar por internet de qualidade) garantir suas formas tradicionais de mobilidade, como realçou Manuela Carneiro da Cunha em sua apresentação no seminário da USP, respeitar sua integridade e, sobretudo, impedir que seus territórios sejam invadidos, são expressões do amadurecimento democrático de qualquer sociedade. Ao contrário, praticar catequese e cooptar lideranças para atividades econômicas que nada têm a ver com estas tradições refletem uma visão de mundo em que a diversidade e o privilégio representado por estes conhecimentos tradicionais não têm lugar.

Há um abismo entre o desmonte das políticas socioambientais brasileiras e as inéditas tomadas de posição de parcela fundamental do setor empresarial com relação à Amazônia. Na carta dos dezessete ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central, nos dez pontos expostos de forma coordenada pelos três maiores bancos privados do País e na Concertação recém-formada (e que reúne quase 200 pessoas, entre diretores de empresas, ativistas e cientistas), o mais importante não é apenas a tomada de posição contrária à ilegalidade, à criminalidade, à invasão de terras indígenas e áreas públicas. O mais importante, evidentemente, em graus variados, é o reconhecimento da contribuição fundamental das comunidades indígenas e ribeirinhas à tão desejada manutenção dos serviços ecossistêmicos que a floresta presta à própria vida no Planeta.

Este reconhecimento representa uma ruptura com uma ideia arraigada nas elites locais e nacionais desde a colonização, segundo a qual os povos da floresta não produzem, não trabalham e são obstáculos ao próprio crescimento econômico. Mas o que mostram os estudos apresentados por Eduardo Brondizio, professor da Universidade de Illinois, no seminário da USP, é a existência de inúmeros grupos organizados localmente — e que respondem pelo estabelecimento de regras referentes ao uso dos recursos florestais, cuja aplicação está relacionada com a preservação destes recursos.

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/alemdamercadoria/saberes-ancestrais-riqueza-amazonica-quase-inexplorada/

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