Yanis Varoufakis provoca: crise abre espaço para projeto pós-capitalista. Mas esquerda precisa assumir o combate ao sistema, que os fascistas fingem fazer. Há um leque de alternativas para tanto, desde que se retome a imaginação política
Por Yanis Varoufakis | Tradução de Simone Paz
Nossa era será lembrada pela marcha triunfante do autoritarismo e seu rastro, em que a vasta maioria da humanidade passou por dificuldades desnecessárias e os ecossistemas do planeta sofreram uma destruição climática que podia ter sido evitada. Por um breve período — que o historiador britânico Eric Hobsbawm descreveu como “o curto século 20” — as forças do establishment se uniram para lidar com os desafios à sua autoridade. Foi uma fase rara, em que as elites tiveram que enfrentar um leque de movimentos progressistas, todos buscando mudar o mundo: social-democratas, comunistas, experimentos de autogestão, movimentos de libertação nacional na África e na Ásia, os primeiros ecologistas, radicais, etc.
Cresci na Grécia de meados da década de 1960, governada por uma ditadura de direita estimulada pelos Estados Unidos, sob o comando de Lyndon Johnson (cujo governo foi um dos mais progressistas internamente, mas que não hesitou em apoiar fascistas na Grécia ou em bombardear o Vietnam). O medo e a aversão ao populismo de direita que encontramos hoje estampado nas páginas do New York Times, simplesmente não existiam naquela época.
As coisas mudaram depois de 2008, o ano em que o sistema financeiro ocidental implodiu. Após 25 anos de financeirização sob o manto ideológico do neoliberalismo (entenda mais no artigo de Ann Pettifor sobre o sistema financeiro global), o capitalismo global teve um espasmo semelhante ao de 1929, que quase o deixou de joelhos. A reação imediata dos governos a esta crise, para apoiar as instituições financeiras e os mercados, foi ligar as impressoras dos bancos centrais e transferir as perdas bancárias para as classes trabalhadoras e médias, por meio dos chamados “resgates”.
Essa combinação de um socialismo para poucos e uma rígida austeridade para as massas, desencadeou duas coisas. Em primeiro lugar, deprimiu o investimento real global, pois as empresas sabiam que as massas tinham pouco para gastar em novos bens e serviços. Isso gerou descontentamento entre muitos, enquanto poucos recebiam grandes doses de “liquidez”.
Em segundo lugar, eclodiram inicialmente levantes progressistas — dos Indignados na Espanha e os Aganaktismeni na Grécia, ao Occupy Wall Street e a várias forças de esquerda na América Latina. Esses movimentos, no entanto, tiveram vida relativamente curta e foram tratados de modo eficiente pelo establishment, tanto de forma direta, com o esmagamento da primavera grega em 2015, por exemplo; como indireta, como no enfraquecimento de governos esquerdistas latino-americanos quando caiu a demanda chinesa por suas exportações.
À medida em que as causas progressistas foram sendo eliminadas uma a uma, o descontentamento das massas teve que encontrar uma expressão política. Imitando a ascensão de Mussolini na Itália, que prometeu cuidar dos mais fracos e fazer com que eles se sentissem orgulhosos de serem italianos novamente, testemunhamos a ascensão do que podemos chamar de Internacional Nacionalista, mais claramente expressa nos argumentos de direita alimentando a saída da Grã-Bretanha da União Europeia e nas vitórias eleitorais de nacionalistas de direita: Donald Trump nos Estados Unidos; Jair Bolsonaro no Brasil; Narendra Modi na Índia; Marine Le Pen na França; Matteo Salvini na Itália e Viktor Orban na Hungria.
E assim, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, o grande confronto político deixou de ser entre o establishment e os diversos progressismos, para se tornar um conflito entre diferentes partes do establishment. Uma parte aparece como os baluartes da democracia liberal; a outra, como os representantes do movimento anti-liberal.
Evidentemente, esse choque entre o establishment liberal e a Internacional Nacionalista é totalmente ilusório. Na França, o centrista Macron precisou da ameaça do nacionalismo de extrema-direita de Le Pen, sem o qual ele nunca seria presidente. E Le Pen precisou de Macron e das políticas de austeridade do establishment liberal, que geraram o descontentamento que alimentou suas campanhas. Da mesma forma nos Estados Unidos, onde as políticas dos Clinton e dos Obama, que resgataram Wall Street, alimentaram o descontentamento que criou Donald Trump — cuja ascensão reforça, em um círculo sem fim, as defesas de Clinton e Biden contra alguém como Bernie Sanders. Foi um mecanismo de reforço entre o establishment e os chamados populistas, replicado em todo o mundo.
No entanto, o fato do establishment liberal e a Internacional Nacionalista serem co-dependentes, não significa que o choque cultural e pessoal entre eles não seja autêntico. A autenticidade de seu confronto, apesar da falta de qualquer diferença política real entre eles, tornou quase impossível para os progressistas serem ouvidos, devido à cacofonia causada pelas muitas variantes conflitantes do autoritarismo.
É exatamente por isso que precisamos de uma Internacional Progressista — um movimento internacional de progressistas para conter a falsa oposição entre duas variedades do autoritarismo globalizado (o establishment liberal e a Internacional Nacionalista) que nos prendem em uma típica agenda de negócios que destrói as perspectivas de vida e desperdiça as oportunidades de frear a catástrofe climática.
A questão, então, é: o que uma Internacional Progressista faria? Com que propósito? E por quais meios?
Se a nossa Internacional Progressista simplesmente criar espaço para a discussão aberta nas praças das cidades (como fez o Occupy Wall Street há uma década) ou apenas buscar emular esforços como o Fórum Social Mundial, ela acabará novamente fracassando. Para ter sucesso, precisaremos de um plano de ação comum e de uma estratégia de campanha incomum, que incentivem os progressistas ao redor do mundo a implementar esse plano. Por último, mas não menos importante, precisaremos da vontade compartilhada para visualizar uma realidade pós-capitalista.
Permitam-me destrinchar esses três pré-requisitos, um a um:
Pré-requisito 1: Um plano de ação progressista comum
Os fascistas e os banqueiros têm um programa comum. Se você conversar com um banqueiro no Chile ou na Suíça, com um apoiador de Trump nos Estados Unidos ou com um eleitor de Le Pen na França, você ouvirá a mesma narrativa. Os banqueiros dirão que a regulamentação e os controles de capital são prejudiciais ao progresso; que a engenharia financeira aumenta a eficiência com que o capital flui para a economia; que o setor privado é sempre melhor na prestação de serviços do que o setor público; que salários mínimos e sindicatos impedem o crescimento ou que as mudanças climáticas só podem ser enfrentadas pelo setor privado.
Por sua vez, a narrativa Internacional Nacionalista é a seguinte: cercas elétricas nas fronteiras são essenciais para preservar a soberania nacional; os imigrantes ameaçam os empregos locais e a coesão social; os muçulmanos, em particular, não podem ser integrados e precisam ser mantidos pra fora; os estrangeiros conspiram com as elites liberais locais para enfraquecer a nação; as mulheres devem ser incentivadas a criar seus filhos em casa; os direitos LGBTQI+ vêm em detrimento da moralidade básica e, por último, mas não menos importante: “Dê-nos o poder de agir de forma autoritária, que nós faremos com que o país volte a ser grandioso e você orgulhoso”.
Os progressistas também precisam de narrativas compartilhadas. Felizmente, sabemos o que deve ser feito: a geração de energia deve transitar maciçamente de combustíveis fósseis para fontes renováveis, principalmente eólica e solar; o transporte terrestre deve ser eletrificado, enquanto o transporte aéreo e o transporte marítimo devem recorrer a novos combustíveis com zero emissão de carbono (como o hidrogênio); a produção de carne deve diminuir substancialmente, com maior ênfase nas culturas orgânicas; e limites estritos ao crescimento físico desde toxinas até cimento são essenciais.
Saiba mais em: https://outraspalavras.net/pos-capitalismo/plano-de-acao-para-a-internacional-progressista/
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