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A Rússia no espelho do Ocidente

Ao falar da Rússia, os críticos ocidentais preferem chamar atenção para o caráter exótico e iliberal da liderança de Putin. Mas a configuração política russa é resultado da neoliberalização das últimas décadas. Por mais que se tente fugir disso, os problemas da Rússia e do ocidente têm a mesma raiz: o capitalismo e a fragmentação da esquerda.

PorLutz Brangsch / Tradução Caue Ameni e Hugo Albuquerque

Embora a Rússia esteja geograficamente próxima da Alemanha, a esquerda da Europa Ocidental tem dificuldades de entender não apenas a classe dirigente, mas toda a sociedade russa. Do lado europeu, as respostas aos acontecimentos de lá oscilam entre a indiferença, o interesse econômico, a justificada crítica a uma política interna repressiva, passando por ambições imperiais e pelo intervencionismo mais ou menos dissimulado. Fala-se tanto sobre a figura exótica de Vladmir Putin porque é a forma mais fácil de polemizar sobre a Rússia sem ter que se aprofundar nas contradições sociais internas e nas relações do país com o resto do mundo.

Em um artigo publicado recentemente na Wirtschaftswoche, o senador alemão Ralf Fücks, filiado ao Partido Verde, explorou a questão de como a “pseudo-gigante” Rússia deve ser “contida” e começa o artigo caracterizando o “regime putinista” como “politicamente inescrupuloso em termos de poder, juntamente com uma vontade irrestrita de enriquecimento”. Isso parece corajoso e consistente, mas o problema é muito mais complexo.

A questão é que não se trata de Putin, mas de um consenso peculiar que foi encontrado entre as várias facções da oligarquia dominante. Putin tem, na verdade, o mérito histórico de ter colocado a vontade irrestrita de enriquecimento um pouco em seu lugar. Esse modo de governar é, às vezes, chamado de “putinismo”. Com o advento do “trumpismo” nos Estados Unidos, passamos a entender que o quadro russo não se trata de um descarrilamento do capitalismo “ocidental de verdade”, mas que – apesar de todas as diferenças –  é algo da mesma natureza dele, senão a mesma coisa.

Seja Fücks, Joe Biden ou a sucessora escolhida de Angela Merkel, Annegret Kramp-Karrenbauer, todos querem negociar com a Rússia a partir de uma posição de força por meio de uma retórica de sanções. E, mais ou menos conscientemente, todos eles suprimem o fato de que a peculiar configuração política russa é, na verdade, consequência da contra-revolução neoliberal dos anos 1980-90. Os problemas da Rússia são, portanto, também os nossos problemas – talvez também lá possamos ver o nosso futuro, mesmo que não queiramos admitir isso.

Saiba mais em:https://jacobin.com.br/2021/01/os-problemas-da-russia-tambem-sao-nossos/

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