Nos anos 90, Pequim apostou na diplomacia Sul-Sul: passou a investir mais no continente africano, sem imposição político-militar, alavancando projetos nacionais de desenvolvimento. Mas isso despertou a soberba das potências ocidentais…
Por Diego Pautasso
A densificação das relações sino-africanas remonta ao quadro de forças emergido no Pós-Guerra Fria. A China buscava evitar o isolamento internacional após os eventos da Praça da Paz Celestial (1989) e o sequencial colapso do campo socialista. Assim, mobilizou esforços para garantir fontes de recursos (hidrocarbonetos, alimentos e matérias-primas) e a paralela abertura de novos mercados, capazes de contribuir com seu acelerado processo de modernização. O panorama de marginalização do continente africano no ciclo de globalização neoliberal foi percebido pela China como oportunidade, e permitiu a conformação daquilo que os chineses intitularam de diplomacia zhoubian (periférica).
Desde então, são ascendentes as relações entre a China e os países do continente africano, como bem evidenciam os números. Se em 1996 o fluxo comercial era de US$ 4 bilhões, em 2000 já chegava em US$ 10 bilhões, e mais contemporaneamente, em 2018, em quase US$ 185 bilhões – bem acima dos US$ 61,8 bilhões do fluxo comercial do continente com os Estados Unidos da América (EUA) no mesmo ano. Nesse mesmo sentido, os investimentos externos diretos (IED) chineses na África vêm aumentando constantemente. Entre 2003 e 2018, o número passou de US$ 75 milhões para US$ 5,4 bilhões – ultrapassando o montante dos EUA desde 2014, já que estes têm diminuído seus investimentos na África desde 2010.
Ressalte-se que a China tem instituído Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) no continente africano, impulsionando a geração de empregos, a industrialização e a consequente redução da pobreza em muitos de seus países. Entre 2003 e 2015, a ajuda ao desenvolvimento prestada pela China ao continente africano aumentou constantemente, passando de US$ 631 milhões em 2003 para quase US$ 3,3 bilhões em 2018.
Ainda mais importante, a cooperação multilateral se multiplicou e se institucionalizou. Seu mais relevante mecanismo é o Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), criado em 2000, que realiza Conferências Ministeriais a cada três anos, sediadas de forma alternada entre a China e os países africanos, elaborando complexos Planos de Ações. Além disso, com a cooperação China-África em constante expansão e aprofundamento, vários fóruns foram estabelecidos no âmbito do próprio FOCAC, tais como o Fórum do Povo China-África, o Fórum de Jovens Líderes China-África, o Fórum Ministerial de Cooperação em Saúde China-África, o Fórum de Cooperação Mídia China-África, a Conferência de Desenvolvimento e Redução da Pobreza China-África, o FOCAC-Fórum Jurídico, o Fórum sobre a China Cooperação entre governos locais, entre outros. As relações da China com a União Africana ou mesmo o papel da África do Sul no BRICS intensificam ainda mais estas interações.
Traçados esses parâmetros empíricos, é possível refletirmos sobre as abordagens ocidentalistas voltadas a configurar a presença da China na África como imperialista ou neocolonial. E nisso reside o entrelaçamento entre a má-fé patrocinada pelo centro do sistema com certas tendências etnocêntricas e até mesmo profundas incompreensões teóricas acerca dessas dinâmicas. Por um lado, atribuir perfil neocolonial à atuação chinesa na África significa assumir o desconhecimento acerca da história do imperialismo do século XIX e mesmo das práticas atuais das grandes potências norte-atlânticas, notadamente dos Estados Unidos da América, pautadas nas mais diversas ingerências externas diretas e indiretas em diversas regiões do globo.
Saiba mais em: https://outraspalavras.net/descolonizacoes/a-cooperacao-china-africa-e-a-hipocrisia-ocidental/
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