O historiador E. P. Thompson detalhou brilhantemente as devastações da alvorada capitalista – e a feroz resistência que ela provocou.
Por Jeffery R. Webber / Tradução Natanael Alencar
Os poetas, escritores e filósofos românticos da Europa Ocidental — gestados nas caldeiras mecânicas do final do século dezoito e início do século dezenove — estão entre os primeiros críticos da modernidade burguesa, a civilização criada pelo triunfo do capitalismo. O Romantismo — um “movimento cultural” que atravessa literatura, filosofia, artes, política, religião e história — foi caracterizado por uma nostalgia por um passado real ou imaginado e abrigava tanto correntes e pensadores revolucionários e conservadores.
Segundo o sociólogo franco-brasileiro Michael Löwy, o Romantismo compartilhava em sua base uma crítica fundamental da “quantificação da vida, ou seja, a dominação (quantitativa) total do valor de troca, do cálculo frio de preços e lucros e das leis do mercado sobre todo o tecido social”.
Com a quantificação da vida na civilização burguesa veio o “declínio de todos os valores qualitativos — social, religioso, cultural ou estéticos — a dissolução de todos os vínculos humanos qualitativos, a morte da imaginação e do romance, a fastidiosa uniformização da vida, a relação puramente “utilitária” — isto é, quantitativamente calculável — dos humanos entre si e com a natureza”.
Tal qualidade de quantificação sob as relações sociais capitalistas expressava-se em formas específicas nos ambientes e processos de trabalho da Revolução Industrial. Os ofícios manuais pré-capitalistas, e sua associação com a criatividade e a imaginação, foram substituídas por uma divisão do trabalho cada vez mais rigorosa e por uma rotina estafante e repetitiva na qual o trabalhador, perdendo o que o tornava humano, se tornava um mero apêndice da máquina.
O próprio Marx inspirou-se profundamente nos novelistas, economistas e filósofos românticos, ainda que a atração exercida pelo Iluminismo e pela economia política clássica em seu pensamento não autorize que o classifiquemos como um anticapitalista romântico.
“Sem fazer apologias à civilização burguesa, tampouco cego às suas realizações”, Löwy comenta sobre Marx,
Ele aspira por uma forma superior de organização social, que integraria tanto os avanços técnicos da sociedade moderna e algumas das qualidade humanas das comunidades pré-capitalistas — bem como abrindo um novo e vasto campo para o desenvolvimento e enriquecimento da vida humana. Um novo conceito de trabalho livre, não alienado e de atividade criativa — em contraposição à rotina enfadonha e limitada — é marca central da sua utopia socialista.
Enquanto a trajetória do marxismo após a morte de Marx tem sido dominada por um determinismo produtivista, economicista e evolucionista (encarnado em figuras como Stalin), o Romantismo Marxista — uma corrente que parte de contribuições tanto de Marx quanto da tradição romântica revolucionária — sobreviveu com uma presença minoritária, insistindo “na ruptura e descontinuidade essenciais entre a utopia socialista — enquanto uma forma quantitativamente diferente de vida e de trabalho — e a sociedade industrial do presente… olhando com nostalgia para certas formas sociais e culturais pré-capitalistas”.
Se uma corrente moderada continha Plekhanov, Kautsky e a maioria da Segunda e Terceira Internacionais, pertenciam aos marxistas românticos — em toda sua variedade — Luxemburgo, Gramsci, Lukács, Mariátegui, Benjamin e, é claro, E. P. Thompson.
Cinquenta e três anos após sua primeira publicação, A formação da classe trabalhadora inglesa(1968), escrito por E. P. Thompson, continua fornecendo um ponto de partida revigorado sobre a dialética do Marxismo e do Romantismo. Certamente, uma dialética utopista-revolucionária, que olha para os elementos de um passado pré-capitalista e aponta simultaneamente para um futuro socialista, constitui um vaso comunicante entre as ecléticas linhas de argumentação de Thompson no livro.
Embora falhe na compreensão de raça e gênero como aspectos consubstanciais da formação de classe, o marxismo romântico thompsoniano da incipiente classe trabalhadora inglesa do século dezoito ainda oferece um antídoto admirável, no século vinte, para a esterilidade do reducionismo econômico e do evolucionismo desenvolvimentista, que continuam a assombrar diversos modelos de investigação e práticas políticas marxistas.
Saiba mais em:https://jacobin.com.br/2021/01/o-marxismo-romantico-de-e-p-thompson/
Comente aqui