São Paulo, essa metrópole distópica da desigualdade, a cidade com a maior frota de helicópteros do mundo e um milhão de favelados, simplesmente não tem respostas para a crise.
Por Nicola Abé
No dia em que a vida normal de Tiago Ferreira de Almeira chegou ao fim, ele arrumou algumas roupas e seus documentos mais importantes em uma mala. Saiu pela porta, deixando para trás sua cama, sua televisão e o resto de seus pertences. Foi o dia em que Ferreira perdeu seu apartamento na Bela Vista, bairro de classe média de São Paulo.
Ferreira não sabia para onde ir. No fim, porém, caminhou até a praça em frente à Catedral Metropolitana, no coração da cidade, um lugar onde muitos moradores de rua dormem. Ele estendeu um cobertor e se deitou.
Choveu naquela primeira noite e as roupas de Ferreira estavam encharcadas quando ele acordou. Sua mala com suas roupas extras e identificação tinha sumido. Ainda estava escuro e ele encontrou um local seco para ficar longe da chuva, com fome e medo. Ele conheceu uma mulher na manhã seguinte, que lhe comprou um hambúrguer no McDonalds. “Foi quando comecei a chorar”, diz ele. “O nome dela era Maria.”
Tiago Ferreira de Almeira perdeu o emprego em uma fábrica de chocolates por conta da crise deflagrada pelo coronavírus. (Nicola Abé)
Ferreira, 29 anos, trabalhava até maio em uma fábrica de chocolates chamada Kopenhagen. Mas quando a empresa foi forçada a demitir vários de seus funcionários por causa do coronavírus, ele não tinha mais dinheiro para pagar o próximo aluguel.
Desde junho, Ferreira mora na rua ou em abrigos de moradores de rua, um lugar diferente a cada noite. Ele se juntou a alguns novos amigos nas ruas, um dos quais perdeu o emprego como professor. No Brasil, nem todos os ex-empregados que perderam o emprego têm direito ao auxílio-desemprego do governo.
Padre Julio Lancellotti distribui café da manhã para moradores de rua, na Moóca, em São Paulo (Rogério Vieira/Der Spiegel)
Mesmo antes da crise do coronavírus, a economia do maior país da América do Sul estava em dificuldades. A classe média estava encolhendo e o número de sem-teto estava continuamente aumentando.
Mas desde o início da pandemia e o bloqueio frouxo, o país mergulhou em uma profunda crise econômica. O número de desempregados disparou, assim como o número de pessoas que vivem nas ruas das maiores cidades do país.
Voluntários estimam que o número de moradores de rua em São Paulo, a maior e economicamente mais poderosa cidade da América do Sul, saltou entre 60 a 70 por cento. Os números oficiais ainda não estão disponíveis, mas evidências esporádicas podem ser vistas em cozinhas populares para os sem-teto, onde o número de pessoas esperando por uma refeição mais do que triplicou em alguns casos. Um funcionário de uma ONG chama isso de “cenário de terror”. Outro fala: “Agora estamos constantemente ouvindo perguntas básicas, com pessoas querendo saber quais cantos são seguros para dormir ou se podem aparecer novamente amanhã para uma refeição.”
Em uma recente manhã de segunda-feira de janeiro, Ferreira estava sentado a uma mesa de plástico em uma grande sala do bairro da Moóca, onde Monsenhor Júlio Lancellotti, com ajuda da prefeitura, está distribuindo o café da manhã. É a primeira visita de Ferreira às instalações. Ele está bebendo um suco de laranja, com um pãozinho seco e um pacote de biscoitos na mesa à sua frente.
Saiba mais em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Antifascismo/Populacao-de-rua-dispara-em-Sao-Paulo/47/49820
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