Clipping

A difícil paz colombiana

Sem proselitismo nem manipulações, ‘Colombia in My Arms’ nos dá uma visão complexa do infortúnio histórico sul-americano

Por Carlos Alberto Mattos

Um ex-guerrilheiro das FARC, um plantador de folhas de coca, uma senadora ultradireitista e um jovem aristocrata são as quatro figuras icônicas que representam as faces de um país dividido no documentário Colombia in My Arms. Os diretores Jenni Kivistö y Jussi Rastas, finlandeses com longa vivência na América do Sul e experiência em cobrir áreas de conflito, fizeram um filme com a justa medida entre distanciamento estrangeiro e empatia política.

A princípio, eles iam apenas acompanhar o processo de readaptação dos ex-guerrilheiros após o acordo de paz com o presidente Juan Manuel Santos, que por isso recebeu o Nobel da Paz. Depois de 53 anos de combates, sequestros e mortes, as FARC aceitavam depor as armas e entrar para a política institucional como partido sem mudar a sigla: de Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia para Força Alternativa Revolucionária do Comum. Em fins de 2016, o peso simbólico desse gesto era imenso para os guerrilheiros. “Ficar sem minha arma é como ficar sem agasalho no frio”, compara uma ex-combatente.

Para a direita colombiana, o peso não era menor. Tratava-se de um “acordo entre bandidos”, como rosna a senadora Maria Fernanda Cabral, líder da extrema-direita. Uma cena da campanha eleitoral de 2018 parece totalmente familiar a nós brasileiros: homens e mulheres brancas, em sua maioria mais velhas, vestindo camisetas da seleção colombiana de futebol e protestando contra “o comunismo”. O partido FARC já concorria e foi derrotado fragorosamente, incapaz de comover um eleitorado pobre que já não acreditava na política formal.

O rumo dos acontecimentos altera o rumo e a estética do filme. As promessas de paz não se concretizavam, uma vez que o governo aproveitava-se do desbaratamento das FARCs para erradicar com violência as plantações ilegais de coca, fonte de sustento de grandes parcelas da população rural. Milícias paramilitares assassinavam ex-guerrilheiros. Muitos voltavam a pegar em armas para defender camponeses. O documentário troca, então, o estilo intimista e atmosférico impresso no início por um ritmo mais urgente e colado aos fatos.

Mesmo assim, Jenni e Jussi não se descolam do eixo dos personagens. Ernesto, ex-guerrilheiro tornado militante político, domina o discurso, representando a consciência de esquerda que sonha com um país mais justo. Deixando para trás 12 anos na selva, quando – segundo seu relato – participou de “prisões econômicas” (sequestros) e do justiçamento de um infiltrado, ele batalha agora para conscientizar camponeses a não venderem seus votos.

No polo oposto, além de Maria Fernanda, está um personagem que mais parece uma inserção ficcional dentro do documentário. Benjamin é herdeiro de uma família da elite que já deu três presidentes da Colômbia. Visto no requinte da sua casa aristocrática, ele lamenta as desigualdades advindas do colonialismo enquanto é servido por garçons ao som de música clássica ou festeja a morte de um touro na tourada. Para estar num filme de Luís Buñuel, não precisava sequer trocar de blazer.

Colombia in My Arms ilustra bem a ideia de que ouvir os dois lados não significa estar neutro. Quando se capta as razões principais de cada polo do espectro político, nada mais é necessário para pintar um quadro verdadeiro. Sem proselitismo nem manipulações, aí está uma visão complexa do infortúnio histórico sul-americano.

Veja em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Cinema/A-dificil-paz-colombiana/59/49986

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