A experiência neoliberal, além das deficiências agora demonstradas pelo coronavírus nos cuidados com a saúde da população, revelou também o seu entendimento de que os seres humanos são engrenagens aprisionadas e voltadas apenas para a acumulação de riquezas. Desconhece valores conceituais como a dignidade humana e a cidadania, princípios máximos do estado democrático de direito
Por Celso Japiassu
O neoliberalismo, à maneira de um vírus contagioso que ocupa o organismo e domina o corpo, invadiu os sistemas econômicos do mundo e subjugou o estado de bem-estar social. Em alguns países o liquidou completamente. Em outros, muitas vezes debilitado, foi mantido pela força da resistência dos trabalhadores em defesa do tratamento médico e de outros direitos sociais. Travou-se e ainda prossegue a luta contra a transformação da saúde numa mercadoria lucrativa para toda uma cadeia parasitária de intermediários. Os planos privados de saúde fizeram milionários e multiplicaram os lucros financeiros dos bancos, que afinal são seus principais operadores.
A pandemia da Covid-19 veio mostrar a fragilidade do modelo privatista da saúde. Foram os médicos e os hospitais dos sistemas de saúde pública que enfrentaram o rápido contágio de um vírus mortal. Na Alemanha, França, Itália, Portugal, em praticamente todos os 27 países da União Europeia foram os sistemas públicos de saúde que funcionaram da forma como deles se esperava. Mesmo o SUS, no Brasil, mostrou sua força e suas possibilidades. A saúde privatizada nada ou pouco pôde fazer diante do desafio de uma grande crise sanitária. O neoliberalismo assistiu ao fracasso de um dos seus mais cultivados dogmas desde a elaboração das duvidosas teses do Consenso de Washington e dos reacionários governos Reagan e Thatcher, cujos fundamentos os Estados Unidos e a Inglaterra exportaram para o resto do mundo capitalista.
Na semana passada a Comissão Europeia apresentou o Plano de Ação para o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Trata-se de um compromisso dos 27 estados-membros da União Europeia com metas de igualdade, proteção social e inclusão que será assinado no princípio do próximo mês de maio numa cimeira que será realizada na cidade do Porto, em Portugal. O denominado Pilar Europeu dos Direitos Sociais estabelece metas em áreas como acesso à educação, disparidades salariais, desigualdade, pobreza, emprego, investimentos em saúde, cuidados à infância e competências digitais, entre outras que virão fortalecer aspectos essenciais do estado de bem-estar social.
O chamado estado de bem-estar social, chamado em inglês de walfare state, tomou forma na Europa depois das duas grandes guerras. Nesses dois momentos as classes patronais procuraram aliviar a pressão que os trabalhadores fizeram sobre o sistema político e a organização econômica. Logo após a primeira guerra, como decorrência principalmente das agitações anarquistas. E depois da segunda guerra com o crescimento dos partidos comunistas que, na clandestinidade, haviam organizado a resistência às invasões nazistas. O temor da revolução operária como a que havia sido feita na Rússia foi o motor para o aparecimento do estado burguês um pouco mais humanizado, adotando a jornada de oito horas de trabalho, o salario mínimo e assistência médica prestada pelo estado. Esta última teve como principal motivo garantir uma mão de obra com saúde, capaz de garantir a força de trabalho necessária ao funcionamento do sistema.
Saiba mais em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-novo-velho-continente-e-suas-contradicoes-O-fracasso-da-pandemia-neoliberal/4/50284
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