O sociólogo e professor da Universidade da Pensilvânia Daniel, Aldana Cohen, fala sobre o projeto do Green New Deal à Jacobin Brasil, um programa ecossocialista radical, que por sua natureza não aceita a separação entre luta social e ambiental – e se funda na mobilização da classe trabalhadora e dos movimentos sociais.
Uma entrevista com Daniel Aldana Cohen
Aluta ambiental caminha lado a lado com a luta pelo fim do capitalismo. A destruição ambiental assim como a desigualdade econômica, a discriminação racial, por orientação sexual e de gêneros não são acidentes infelizes de um capitalismo imperfeito, ao contrário, são motores do sistema.
Para falar sobre isso e as tarefas emergenciais da classe trabalhadora para garantir um futuro no qual justiça social e ambiental só podem andar juntas, conversamos com o sociólogo e professor da Universidade da Pensilvânia, Daniel Aldana Cohen, um dos autores de Um planeta a conquistar: a urgência de um Green New Deal (Autonomia Literária, 2021).
Aldana Cohen é canadense, mas de ascendência latino-americana por parte da mãe e judaica por parte de pai, o que não é um mero detalhe biográfico: sua família materna esteve envolvida no processo revolucionário da Guatemala, golpeado ainda nos anos 1950 — o que valeu a perseguição de muitos dos seus entes queridos –, enquanto da parte paterna, fica a tradição de resistências e a memória de tantos morticínios ao longo do tempo. Por isso, a ideia de um apocalipse climático não lhe parece um exagero ou algo distante.
O programa de um Green New Deal, portanto, deve recusar o capitalismo e ir além de visões ambientalistas elitistas, que não são insensíveis às demandas da classe trabalhadora e dos movimentos sociais — sem os quais é simplesmente impossível imaginar uma mudança de paradigmas.
Por sinal, Aldana Cohen guarda muito mais que um português fluente da sua estadia no Brasil, mas a própria experiência de diálogo e pesquisa sobre a práxis dos movimentos de moradia de São Paulo, que mesmo sem pautar a questão ambiental diretamente, faziam isso objetivamente na sua luta. É preciso pensar em alternativas de reconversão das tecnologias existentes, envolvendo e mobilizando as pessoas concretamente.
AK/HA
Olhando para os autores de Um planeta a conquistar, do qual você é coautor, muitos de vocês têm origens variadas, inclusive você que é em parte latino-americano e tem ligações com o Brasil. Como isso ajudou vocês a pensar as questões do livro?
DC
Somos quatro autores: Kate Aronoff, Alyssa Battistoni, Thea Riofrancos e eu, portanto três, felizmente, são mulheres — caso contrário, acredito que não teria dado certo! Uma das coautoras, Thea Riofrancos, é filha de um argentino e há muitos anos que estuda América Latina — e fez seu doutorado na Bolívia e no Equador estudando extrativismo e agora se dedica a estudar a economia do Lítio, no Chile.
Eu sou canadense e minha mãe é guatemalteca. O imperialismo americano se fez muito presente na história da minha família. O tio da minha mãe se chamava Carlos Aldana. Ele foi ministro da infraestrutura do governo progressista de Jacobo Arbenz na Guatemala, que sofreu um golpe de Estado orquestrado pelos Estados Unidos. Com muita sorte, meu tio conseguiu fugir do país e nunca mais saiu de casa. A irmã de meu avô foi casada com o dirigente do Partido Comunista, José Manuel Fortuny, o autor da lei de reforma agrária que causou o golpe — ele também fugiu do país e nunca mais conseguiu voltar.
Portanto, eu cresci em Toronto, em uma família cheia de anti-imperialismo e conhecendo os horrores do genocídio, seja na Guatemala ou na Europa, por conta da origem judaica do meu pai. Quando eu encontrei a ciência da mudança climática, a noção do perigo de um apocalipse não era difícil de compreender, justamente porque com as experiências da minha família, eu sempre soube o quanto as coisas podem piorar.
Eu não tinha muito interesse em estudar a Guatemala, pelas próprias questões familiares. Para mim se tratava de um tema quase claustrofóbico, mas passei muito tempo em outras partes da América Latina; um período como jornalista na Bolívia, estudando os movimentos de água e os cocaleiros em Cochabamba. No meu doutorado estudei os movimentos de moradia em São Paulo e Nova Iorque.
Esse período teve um impacto muito grande na minha formação. Logo no início, eu notei que os movimentos de moradia em São Paulo não discutiam diretamente a questão ambiental, ao mesmo tempo em que defendiam o direito da classe trabalhadora — e especialmente de mulheres negras — de morar no centro da cidade, perto do trabalho, do transporte público e de serviços de saúde.
Mesmo que hoje exista um discurso usado pelas elites globais defendendo “cidades verdes”, esse é na verdade o tema da reforma urbana no Brasil, do ponto de vista dos movimentos de moradia em São Paulo e outras cidades. Basta ver os conflitos entre ambientalistas que queriam projetos como o antigo projeto Nova Luz em São Paulo, que nada mais é do que um redesenho verde da cidade para atender a burguesia, contra os movimentos de moradia — os quais são os protagonistas na luta por baixas emissões de carbono, mesmo sem ter como pauta o meio ambiente, afinal, a cidade verde é exatamente o direito do trabalhador viver perto do seu local de trabalho, de serviços e cultura, eliminando a necessidade de passar horas em locomoção.
A minha visão de justiça climática em lugares em que ela é pouco tratada veio a partir da minha experiência estudando e militando com os movimentos de moradia em São Paulo.
AK/HA
Nos fale mais sobre a questão habitacional brasileira…
DC
Os imóveis causam muitas emissões por si só, especialmente nas cidades do hemisfério norte onde existe calefação, mas no Brasil o problema principal das cidades é a poluição causada essencialmente pelo transporte, que é fruto direto do tempo de deslocamento de casa para o trabalho, então os temas de moradia, transporte e salário caminham juntos.
Isso quer dizer que as etiquetas verdes são só uma categoria cultural. Em qualquer grande cidade brasileira há muitas pessoas fazendo uma correlação entre estilo de vida e o meio ambiente, como se consumir orgânicos, andar de bicicletas do Itaú ou amar a natureza tornasse a pessoa uma ambientalista. Essa categoria de ambientalismo é apenas uma categoria cultural, e que não está correta, a alternativa a isso seria pensar qual é a relação objetiva de uma pessoa, mais principalmente de um grupo social, com o meio ambiente.
Se pensamos em moradia, transporte e modelo de cidades, podemos colocar em prática todas as pautas da reforma urbana. Transporte público para todos, proximidade da residência com o local de trabalho, acesso a serviços de saúde e educação que, particularmente, são setores essencialmente de baixo carbono. A partir daí podemos ver que de fato o de que os movimentos de esquerda contra o livre mercado e por direito sociais são objetivamente parte de uma luta ambiental.
Na minha pesquisa analisei o contraste nas cidades entre, ecologia de luxo e ecologia democrática. O Nova Luz em São Paulo se encaixa nessa ideia de ecologia de luxo adotada por setores da burguesia pós-industrial e cultural, como IBM ou o Instituto Moreira Salles. Ele significa deixar os espaços mais verdes somente para a elite. O contrário disso seria a ecologia democrática, onde podemos combater ao mesmo tempo as mudanças climáticas, as diversas opressões, as emissões de carbono e as desigualdades.
AK/HA
Por que os trabalhadores brasileiros deveriam se interessar pelo Green New Deal?
DC
O Green New Deal é uma política para o meio ambiente, mas é igualmente uma política de transformação econômica. Isso é muito importante especialmente com a pandemia global, pois vivemos um choque econômico — e teremos que fazer as economias do mundo retomarem seu rumo. A questão será como isso se dará: vamos começar da mesma forma que no século XX ou de uma forma mais moderna, igualitária e sustentável?
Mesmo que as ideias do Green New Deal, em seu início, não tenham sido pensadas para um contexto de pandemia, acredito que as propostas seguem muito relevantes.
Temos quatro pilares essenciais no Green New Deal, pelo menos no contexto americano. O primeiro deles trata investimento massivo do governo federal no setor público, ou seja, intervenção pública na economia, com o objetivo de reduzir drasticamente as emissões de carbono, chegando a zero emissões no setor de energia em 2030-2035. Isso é essencial para prevenir os impactos extremos da mudança climática.
O segundo pilar seriam os serviços públicos e gratuitos para todos. Nesse sentido o Brasil já está um pouco mais avançado que os Estados Unidos, aqui não temos nem algo que se assemelhe ao Sistema Único de Saúde (SUS). Mesmo sabendo que o serviço público de saúde brasileiro não é perfeito, ainda resiste no Brasil a ideia da saúde enquanto direito humano. Isso é algo que ainda há de ser conquistado nos Estados Unidos.
O terceiro pilar seria a garantia de emprego, uma ideia que propomos para os Estados Unidos, mas que já existe na Índia. Portanto, a garantia de emprego não é uma ideia que só atenderia o Norte Global, pelo contrário. Isso é uma ideia de extrema importância para os trabalhadores de todo o mundo, sobretudo as pessoas negras e indígenas que hoje se encontram sem muitas chances de conseguir trabalho.
E finalmente o quarto pilar que é, na minha opinião, a ideia mais original da esquerda americana a respeito da justiça climática: trata de um investimento desproporcional em comunidades populares, negras, indígenas e latinas, basicamente onde as lacunas da falta de investimentos são maiores. Serão justamente esses lugares que receberão o maior investimento na economia verde.
Que fique claro, a economia verde não é mais uma via de prosperidade para as elites, ao contrário, ela será o motor do combate à desigualdade, com investimento nos mais pobres. São esses lugares que precisam dos painéis solares, de ônibus elétricos, empregos verdes e etc, são essas comunidades populares que vão construir e se beneficiar com o Green New Deal, ou qualquer outro nome que um acordo climático ganhe no Brasil ou no mundo, ele sempre precisará ser construído pelos de baixo.
Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2021/03/a-emergencia-climatica-e-a-historia-do-colonialismo-e-do-capitalismo/
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