Frente à calamidade bolsonarista, e ventos anti-neoliberais que voltam a soprar na América Latina, o retorno de Lula à cena eleitoral pode representar um novo impulso para a esquerda. Qual é a possibilidade de uma “frente ampla” em torno do petista? E que influência a esquerda radical – seja compondo por dentro ou tensionando por fora – pode exercer?
Por João Vitor Silva Miranda
Apesar da gritaria e dos resmungos do bolsonarismo e da direita liberal que tenta se vender como centro, o “populismo malandro” do “demiurgo de Garanhuns” (para parafrasear a capa da edição de março da revista Istoé), está vivo e fortalecido como há muito não se via.
De fato, a política brasileira vem sofrendo uma série de reviravoltas após as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) de declarar a nulidade das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no âmbito da 13ª Vara de Curitiba, e o posterior reconhecimento da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro no julgamento. Com o turbilhão no meio político e na opinião pública provocado por um Lula elegível e de imagem revigorada para as eleições presidenciais de 2022, muda-se o tabuleiro da política – dentro e fora da institucionalidade – assim como muda também o comportamento e a movimentação de diversos atores e instituições frente ao cenário de pandemia e crise econômica.
A decisão, somada às movimentações posteriores de Lula e do PT em apresentar um discurso contundente contra o governo Bolsonaro, ao mesmo tempo que conciliatório e aberto a outros setores políticos (variando da esquerda radical à direita tradicional), serviu para reforçar a percepção de que Lula é candidatíssimo para 2022, assim como demonstrou a resiliência do petista, tanto na memória do eleitorado como na influência exercida no meio político – inclusive para além de seu partido e seu campo de influência mais imediato.
Aglutinando os polos
Após a definição da elegibilidade de Lula, já apareceram diversas pesquisas mostrando a competitividade eleitoral crescente do nome de Lula frente ao de Jair Bolsonaro – chegando ao ponto da última pesquisa Datafolha indicar uma larga vantagem do petista, e a possibilidade de vitória logo no 1º turno. Diversos nomes e setores politicamente relevantes mostraram abertura ao diálogo (ou pelo menos sinalizaram uma trégua nas hostilidades) com Lula e o PT – Arthur Lira, Rodrigo Maia, José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e partidos do centrão como PSD e PL.
Ficou evidente a força de Lula como possível pólo aglutinador de setores de esquerda e centro-esquerda para o próximo ciclo eleitoral: o PSB, o PCdoB e o cotado Flávio Dino mostraram sinais de aproximação a Lula, e se observa uma abertura inédita de possibilidades para uma eventual aliança PT-PSOL. Ao mesmo tempo, isto contribui para um maior isolamento de Ciro Gomes e do PDT no interior do campo progressista, fazendo com que estes ensaiem uma nova guinada à direita, com um discurso antipetista e a aproximação de partidos explicitamente conservadores como o DEM – estratégia que não parece estar surtindo qualquer efeito, apesar do reforço do marqueteiro João Santana.
Com o novo cenário, abre-se uma janela de oportunidade para a esquerda e os setores progressistas imporem uma decisiva derrota, nas ruas e nas urnas, à onda reacionária que avançou desde 2014. Entretanto, uma pergunta que os setores sociais à esquerda do lulismo nunca deixaram de fazer se torna ainda mais importante neste momento: qual é o papel e a influência possível da esquerda radical/anticapitalista no processo político que (à exceção de um novo golpe) culminará nas eleições de 2022?
A esquerda radical e o próximo ciclo de lutas
Podemos partir de dois pressupostos. Primeiro, o processo eleitoral não é o fim único da mobilização política, e é essencial não deixar o jogo eleitoral – que já se intensifica – secundarizar as urgências do agora, bem como adiar a correção de erros cometidos pela esquerda nos últimos meses. Segundo, ainda que a construção de uma candidatura competitiva à esquerda do lulismo não possa ser descartada do horizonte possível, é forçoso reconhecer que as chances de uma vitória eleitoral liderada por este campo são escassas no futuro próximo. Atores políticos à esquerda do lulismo já se movimentaram no sentido de deixar o campo livre para Lula: é o caso, por exemplo, de como tem se posicionado o líder do MTST, Guilherme Boulos, se colocando como pré-candidato ao governo de São Paulo, e não à presidência da república. Até agora, a única pré-candidatura à esquerda do petismo apresentada é a do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ).
Por outro lado, os últimos acontecimentos mostram, para além de qualquer dúvida, a capacidade de Lula em injetar novo vigor na oposição ao bolsonarismo. Justamente por isso, pode atuar como pólo aglutinador de diversos setores, dispersos ou em conflito. Sua candidatura fortalece a posição dos setores à esquerda do centro na disputa. Mas para que isto se concretize, tal movimentação também deve estar associada a uma aproximação do campo progressista dos movimentos sociais – numa relação de diálogo e não de domínio – e se dedique à sério na construção de um programa comum e o mais avançado possível para o próximo ciclo eleitoral.
O “fator Lula”, portanto, não deve nos conduzir ao quietismo, ou a uma paciência resignada de que tudo acabará bem, pelos acordos por cima de costume. Esperar passivamente pela solução eleitoral é a pior estratégia possível. Ao contrário, cabe ver o novo cenário como uma oportunidade, na qual se torna não apenas mais possível, como crucialmente necessário, tensionar o debate público no sentido de promover mudanças qualitativas na “janela de Overton” – arrastar para a esquerda o centro de gravidade do centro comum e ampliar os limites do que é aceitável em termos de políticas transformadoras progressistas. Nada disso tem como acontecer, contudo, sem mobilização popular e luta de massas. Estamos obrigados, portanto, a encontrar um equilíbrio entre os cuidados sanitários e a necessidade de se fazer presença nas ruas como forma de fragilizar o governo de extrema direita e demonstrar força e capacidade de organização dos setores de oposição. As manifestações antirracista que aconteceram após a chacina do Jacarezinho e as carreatas anti-Bolsonaro organizadas em diversos estados do Brasil no mês de janeiro oferecem um bom exemplo de como isso pode ser feito, e uma nova jornada de lutas pode se apresentar no horizonte, com a convocação de diversas lideranças e movimentos sociais por manifestações contra Bolsonaro dia 29 de maio.
Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2021/05/nas-ruas-e-nas-urnas-o-fator-lula-e-a-tatica-da-esquerda-radical/
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