Clipping

Há dez anos, um ensaio do pós-capitalismo

Resgate de 2011, ano rebelde. Do Cairo a Nova York, de Tunis a Madri, praças ocupadas. Raiva: contra as cercas e a pequenez de uma ordem caduca. Novas formas de reciprocidade, convívio e cuidado. Embrião de uma vida sem catracas

Por Bernardo Gutiérrez | Tradução: Simone Paz

[Bernardo Gutiérrez é jornalista, escritor e pesquisador. É hispano-brasileiro. Faz coberturas da América Latina desde 1999, como correspondente no Brasil na maior parte desse tempo.]

No dia em que o ditador egípcio Hosni Mubarak renunciou, os participantes do acampamento Tahrir, no Cairo, começaram a limpar a praça. Um estudante afirmou que após limpar Tahrir ele enxergou um futuro promissor. As imagens de limpeza dos acampamentos, do ciclo de protestos iniciado em 2011, foram recorrentes. Varrer, limpar o chão ou recolher o lixo eram atos coletivos: reforçavam o sentimento de pertencimento ao lugar e à comunidade que o habitava. “A praça, minha casa”, ostentava uma placa no Acampamento do Sol, em Madri, banhando aquele espaço de intimidade. A investigação “The aesthethic of protest” (A estética do protesto), focada no processo de ocupação do parque Gezi, em Istambul, em 2013, utiliza uma imagem viral que contrapõe o trabalho de limpeza dos campistas e o lixo deixado pelos participantes de uma reunião do presidente Erdogan.

Depois de analisar 250 mil tweets, “A estética do protesto” encontrou uma surpresa: as imagens do cotidiano do acampamento do Parque Gezi eram as que mais se repetiam. A mídia se concentrou nos confrontos com a polícia, mas as fotos capturadas pelos seus integrantes incluíam atividades como comer, dormir, limpar, ler, fazer exercícios ou cuidar do jardim. O cotidiano do acampamento evidenciou um senso ético compartilhado e novas formas de estar no espaço público. Eles exaltaram o prazer dos laços sociais. Apresentaram um protótipo de vida social baseado no horizontalismo, na cooperação e na inclusão. O dia-a-dia dessas ocupações tornou-se a política prefigurativa do futuro.

Cairo, 2011
Cairo, 2011
Cairo, 2011

Enquanto a mídia procurava pelos líderes e exigia as demandas políticas do movimento da praça, os campistas alimentavam, em seu próprio ritmo, um emaranhado de relacionamentos. Após o despejo dos acampamentos, seu tecido social e seu modus operandi reinventaram a vida nos bairros. Em Madri e Istambul, por exemplo, aconteceram centenas de assembleias de bairro durante muito tempo. Quando o establishment considerava o Occupy Wall Street acabado, a rede criada durante a ocupação do Zucotti Park em Nova York renasceu como Occupy Sandy e coordenou uma rede de solidariedade exuberante após o furacão Sandy. Passando do “ocupe a rua” para “ocupe os bairros”, o 15M exibiu seu mundo coletivo, com outro ritmo, em outros termos.

No final de 2012, em uma das assembleias do 15M de Madrid, uma participante renunciou à vanguarda do movimento. A vanguarda, disse ele, é “épica, barricada, horário nobre, tempo único, unilateralização”. Por isso, ele reivindicava a retaguarda, o cotidiano, e tornava assim visível o paradigma do cuidado: “A retaguarda é a nova Associação de Pais e Alunos que formamos na escolinha (…) A retaguarda é cada uma das práticas que contribuem alimentando, recriando, revivendo o clima da revolta”.

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/movimentoserebeldias/ha-dez-anos-o-mundo-ensaiava-o-pos-capitalismo/

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