Por Tarso Genro | Créditos da foto: Fiocruz
Além das diferentes visões do significado do que é o “humano” – nas suas imperfeições misérias e grandezas – e de como a visão destas condições do ser humano influencia os diferentes projetos políticos modernos, há uma questão de fundo (estrutural) que faz a base mais sólida e diferencia o que podemos designar no contexto nacional como os “fascistas” e os “não fascistas”. Trata-se do apreço ou o desprezo pela ciência.
A questão da ciência, na sua universalidade concreta, é o que – como “progresso” do gênero humano – tanto possibilita a ampliação da barbárie através do seu uso na guerra, – por exemplo – como pode projetar o adiamento da finitude do ser humano (o “adiamento” da morte”) e também propiciar condições para uma harmonia social fundada no fim da carência dos meios básicos de sobrevivência (para todos), dentro de um regime político democrático de igualdade e de liberdade.
A Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Butantan simbolizam a importância estrutural da ciência para o Brasil moderno. Quando se observa ou se sente na vida diária do país, o que eles pesquisam, fazem, realizam – em qualquer momento da sua história e sob qualquer Governo dirigido por pessoas “normais” – sabe-se que eles laboram com critérios baseados no conhecimento.
A observação, a experimentação, os testes laboratoriais e de campo – com precedentes e exemplos buscados no mundo – são conexões fundamentais do conhecimento científico que maximizam, tanto as suas finalidades humanísticas como uso de normativas científicas para propagar o mal, a opressão, a morte e a degradação do gênero humano no seu caminho milenar para compor religiões, filosofias, protocolos de convívio e de dissenso.
As conquistas teóricas e técnicas da ciência são capazes de responder demandas universais de interesse de toda a sociedade, independentemente da classe social ou da ideologia dos seus “clientes”. O fato de que as formas de produção científica são universais não elide, todavia, o fato de que os objetivos das pesquisas (e a distribuição dos seus resultados na sociedade) estão na órbita da política e da ética: um projeto baseado no conhecimento científico tanto pode ser usado para aumentar o tempo de vida das pessoas como suprimir vidas, para facilitar certos tipos de dominação e controle pela violência.
Quando a Capitã Cloroquina fala, sustenta, que o logotipo dos 130 anos da Fundação Oswaldo Cruz é a imitação (mimese) de um pênis – que passa a estruturar todo o seu posicionamento sobre a ciência e seus produtores – ela revela não só a perversão ideológica fascista que deforma o real-artístico, mas também mostra como o fascismo está ancorado em determinados mitos que descartam a experiência da vida comum, que produzem a ciência, a política e a arte. Dizer que a terra é plana, para obter determinada consequência política, passa a ser tão natural como identificar um pênis como amigo da cloroquina para atacar os produtores da vacina.
A compreensão da mímese na concepção frentista da política tem uma importância excepcional nos dias que correm, não somente na apreciação da perversão fascista.
A Declaração de formação da Frente Ampla uruguaia (Fev.72) na sua “Plenária Constitutiva” assentou que “a unidade política das correntes progressistas que culminou com a formação da Frente Ampla, fechando um ciclo da História do país e abrindo outro (foi) gestada na luta do povo contra a política fascistizante da força”. A Frente Popular dos anos 30 com leitura latino-americana.
O Golpe de Estado de 1973 vinha sendo gestado lentamente, acumulando forças “por dentro” do Governo eleito de Juan Maria Bordaberry, apoiado numa sequência de atos ilegais- respaldados por grupos irregulares de extrema direita – voltados para eliminar, por qualquer meio, a guerrilha do MLN-Tupamaros, que já ganhava forte respaldo popular. Nos seus termos clássicos, o Uruguai aparentava estar à beira de uma revolução nacional-popular de caráter anti-imperialista e anti-oligárquico. A Frente Ampla do Uruguai surgida em 73, portanto, emergiu em um momento particular de ascenso revolucionário armado e visava unificar as forças progressistas que, prevendo o reforço das políticas “fascistizantes” da direita no país, deveriam preparar-se para responder, o que se demonstrou impossível, mas não eliminou o propósito frentista recuperado duas décadas depois: em 1973 estas forças foram jogadas na clandestinidade, pelo mesmo golpe “fascistizante” que denunciavam.
Saiba mais em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-falo-a-fala-e-a-Frente/4/50716
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