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Acordo UE-Mercosul: a nova fase do colonialismo

Atlas inédito examina as consequências assimétricas e letais do acordo: expansão agrícola, exploração da Amazônia e tarifas de agrotóxicos reduzidas em 90%. À Europa, a dominação do mercado latino-americano com produtos de ponta

Por Pedro Grigori

Populações do Mercosul têm sido tratadas como cidadãos de segunda classe, vítimas de violência química por serem envenenadas com agrotóxicos proibidos na Europa – e esse cenário pode se agravar se for fechado um acordo comercial que reduz em 90% as tarifas sobre pesticidas. Essas são algumas das conclusões do novo estudo da pesquisadora da USP Larissa Bombardi. Conclusões tão graves que as ameaças sobre ela, que já fazia denúncias sobre o uso de agrotóxicos, se intensificaram, e ela deixou o país. “Eu não tinha segurança para lançar esse trabalho vivendo no Brasil, porque sei que ele mexe diretamente com a espinha dorsal da estrutura dessa sociedade e do governo”, disse.

Um atlas inédito da pesquisadora mostra como o Brasil exporta bens básicos como alimentos e produtos de mineração, enquanto importa da Europa tecnologias avançadas. E o estudo da pesquisadora Larissa Bombardi, ao qual Agência Pública e Repórter Brasil tiveram acesso, mostra que o que ela chama de “neocolonialismo europeu” deve ganhar ainda mais força caso o Acordo de Associação entre Mercosul e União Europeia seja ratificado. 

O atlas “Geografia da assimetria: o ciclo vicioso de pesticidas e colonialismo na relação comercial entre o Mercosul e a União Européia” foi apresentado pela pesquisadora ao Parlamento Europeu no mês passado. O trabalho escancara os principais prejuízos que o acordo trará para os países do Mercosul: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Entre eles, a expansão da fronteira agrícola, com propriedades agropecuárias adentrando, principalmente, a área da floresta amazônica.

Após ameaças, Larissa Bombardi foi continuar seus estudos na Bélgica, mas garante que seguirá publicando trabalhos sobre o uso de agrotóxicos no Brasil (Foto: Abrasco)

Assinado pelo Governo de Jair Bolsonaro no ano passado, o acordo comercial entre os dois blocos está em fase de ratificação. Se for concluído, o tratado eliminará  as tarifas de importação para mais de 90% dos produtos. O Ministério da Economia do Brasil estima um aumento do Produto Interno Bruto (PIB) em até US $125 bilhões nos próximos 15 anos. Se for concluído, o acordo criará uma das maiores áreas de livre comércio do planeta. Juntos, os dois blocos representam cerca de 25% da economia mundial e um mercado de 780 milhões de pessoas.

E quem mais vai ganhar será o setor agropecuário. Produtos como café e fumo terão tarifas totalmente eliminadas, o que vai aumentar ainda mais a exportação brasileira para o bloco europeu, que em 2018 chegou a US$14 bilhões apenas em produtos agrícolas. 

“A tendência é reforçar ainda mais um quadro que já está elevado: se formos exportar mais soja, café e madeira, o impacto ambiental será ainda maior ”, explicou Larissa em entrevista à reportagem. “Por exemplo, o aumento da produção da soja tem se dado com o aumento da área, e é evidente que se houver demanda para mais produção agropecuária, teremos avanços sobre áreas que não estavam sendo destinadas para cultivos”. 

Segundo Larissa Bombardi, o acordo só será benéfico para uma pequena parcela da sociedade brasileira. “Não é um acordo pensando para superar desigualdades, para coibir trabalho escravo ou uso de agrotóxicos”, explica.

Saindo do Brasil

O atlas foi apresentado para o Parlamento Europeu no dia  11 de maio. Pouco mais de um mês antes de lançar o trabalho, a professora Larissa Bombardi teve que deixar o Brasil. Desde 2019, quando lançou outro estudo relacionando o uso de agrotóxicos no Brasil com a União Europeia, a pesquisadora passou a ser intimidada por críticos ao seu trabalho.

“Eu não tinha segurança para lançar esse trabalho vivendo no Brasil, porque sei que ele mexe diretamente com a espinha dorsal da estrutura dessa sociedade e do governo”, contou a pesquisadora à reportagem. 

Ao longo dos anos, a cultura de soja foi aumentando progressivamente no Brasil – ameaçando cada vez mais as florestas nativas (Imagem: IBGE-Sidra)

Larissa foi perseguida nas redes sociais por defensores do agronegócio, e chegou a receber indicação de movimentos sociais para que evitasse os mesmos caminhos, alterasse horários e a rotina para se proteger de possíveis ataques dos setores econômicos envolvidos no tema dos agrotóxicos. 

Desde abril, Larissa está vivendo na Bélgica, onde continua estudando e garante que não deixará de pesquisar e publicar trabalhos sobre o uso de agrotóxicos no Brasil. 

Saiba mais em:https://outraspalavras.net/outrasmidias/acordo-ue-mercosul-a-nova-fase-do-colonialismo/

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