Lista de problemas com planejado megacentro cultural é longa: de segurança digital insuficiente e controvérsias sobre arte pilhada de ex-colônias a acusações de assédio no local de trabalho. Paira ameaça de adiamento.
Certa vez, a ministra alemã da Cultura, Monika Grütters, se referiu ao prédio do Humboldt Forum, que se ergue na margem do rio Spree, em Berlim, como “o mais ambicioso projeto cultural do país”. Cercada de controvérsias desde o início, contudo, a ressurreição do antigo palácio da dinastia Hohenzollern, em estilo prussiano, tem sido uma batalha, tanto para a capital, quanto para a República Federal da Alemanha reunificada, sua principal patrocinadora.
A extinta República Democrática Alemã demoliu em 1950 o edifício original, que sofrera consideráveis danos durante a Segunda Guerra Mundial. Em seguida, o governo comunista ergueu em seu lugar o Palácio da República, que até 1990 serviu de sede do parlamento da RDA. Que depois, indesejado e contaminado de amianto, resistiu ainda por quase 20 anos após a queda do Muro de Berlim, até ser igualmente demolido.
A nova construção destinada a tomar seu lugar, baseada em parte no Palácio de Berlim do início do século 18, deveria ser nada menos do que um “museu do mundo”, visando abrir um diálogo entre as culturas, com inauguração estava programada para o terceiro trimestre de 2021. Porém as complicações e atrasos se acumulam.
No fim de maio, vieram a público diversas deficiências técnicas. O jornal Süddeutsche Zeitung noticiou uma lista de defeitos de construção ainda não corrigidos. O veículo citava uma carta de Hans-Dieter Hegner, o membro da diretoria responsável pela supervisão das obras, segundo o qual a ausência de um sistema abrangente de segurança para a infraestrutura informática do fórum o torna mais exposto a ataques de hackers.
Como a Fundação Humboldt Forum não é capaz de “garantir operações seguras”, haveria risco, tanto para os bens culturais como para os visitantes”, afirmava Hegner. Agora se especula se a inauguração, já muito atrasada, em parte devido à pandemia de covid-19, terá que ser adiada mais uma vez.
Mas isso não é tudo: com a abertura do pátio interno, em que se encontram restaurantes e lojas, marcada para a segunda semana de junho, recentemente funcionários do serviço de visitantes, que será vital para a operação, fizeram graves acusações de assédio.
Numa reportagem conjunta da revista Der Spiegel e do magazine de TV Frontal 21, diversos deles revelaram ter sido alvo de mau tratamento, numa atmosfera marcada por humilhação intencional e vigilância. Dos 75 empregados em novembro de 202 para trabalhar no complexo arquitetônico de 44 mil metros quadrados, 28 já deixaram a companhia, vários demitidos, porém outros por iniciativa própria, incapazes de suportar a pressão.
Segundo o jornal Tagesspiegel, a empresa encarregada de gerir os prestadores de serviços para a Fundação Humboldt Forum, mantém “listas inaceitáveis e facilmente acessíveis” dos empregados do serviço de visitantes, as quais conteriam “detalhes privados, de distúrbios do sono a psicoterapia”.
A fundação alegou em comunicado só ter tomado conhecimento das alegações através da mídia, mas que a diretora-gerente encarregada do pessoal de serviços foi “dispensada de suas obrigações, até os incidentes terem sido esclarecidos”.
Na mira do debate da “arte pilhada”
Projetada pelo arquiteto italiano Franco Stella, a ala modernista do Humboldt Forum no Palácio de Berlim abriga dois museus da Fundação Patrimônio Prussiano (Stiftung Preussischer Kulturbesitz), do estado de Berlim e da Universidade Humboldt.
O centro de cultura, arte e ciência será um local de exposições de artefatos etnológicos da Ásia, África, América e Oceania – entre os quais, controvertidas peças coloniais “pilhadas”, sujeitas a debates de restituição –, além de peças históricas berlinenses.
Entretanto, poderá levar algum tempo até os primeiros visitantes poderem circular pelo edifício. A alameda voltada para o rio, os terraços e a varanda do do Spree e o arvoredo estão visíveis para o público desde meados de dezembro, quando os alambrados de construção foram removidos. As salas de exposição, contudo, permanecem fechadas, sobretudo devido à pandemia.
Como consolo, o Humboldt Forum já pode ser visitado digitalmente desde o fim de 2020: há conteúdo digital disponível no website do projeto, inclusive tours virtuais, curtas-metragens e fóruns de discussões.
Lá se pode, por exemplo, aprender sobre Alexander von Humboldt, naturalista e explorador alemão que dá nome ao fórum; sobre o estado da pesquisa de proveniência de objetos de propriedade controversa; ou sobre como a Alemanha está lidando com sua história colonialista. Agora só falta os visitantes poderem finalmente conhecer de perto o “projeto cultural mais ambicioso de nosso país”.
Comente aqui