Floresta Amazônica já emite mais gás carbônico do que absorve, afirma estudo liderado por pesquisadora do Inpe e publicado na “Nature”. Desmatamento e queimadas estão agravando a falta de chuvas e a savanização.
A chegada dos meses mais secos na Amazônia, de agosto a outubro, traz um roteiro previsível para a química Luciana Gatti, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). É quando a floresta, depois de desmatada, é queimada e, como consequência, despeja na atmosfera toneladas de gases de efeito estufa.
O que Gatti não esperava é que esse ciclo de destruição, que voltou a crescer desde 2013 mas foi muito acelerado a partir de 2019, já estivesse acabando com uma função importante da maior floresta tropical do mundo: absorver carbono, vital para o equilíbrio do clima do planeta. “O sofrimento da floresta é tão grande que ela não está dando conta”, resume a pesquisadora.
“O desmatamento representa uma fonte de emissão direta de carbono e outra indireta. Foi isso que descobrimos e que não está em modelo algum”, afirma ela à DW, fazendo referência a modelos computacionais usados nas previsões de impactos das mudanças climáticas.
Em regiões onde a floresta já foi mais de 30% devastada, a emissão de carbono chega a ser dez vezes maior do que em áreas onde o desmatamento é inferior a 20%. A conclusão surpreendeu o time da pesquisadora, autora principal do estudo publicado na Nature nesta quinta-feira (15/07).
A maior emissão de carbono ocorre na parte leste, nos estados do Pará e Mato Grosso, e acontece por causa da grande quantidade de queimadas e de menor absorção de CO2 pela própria floresta.
Além disso, em florestas intactas, o aumento das temperaturas e o
estresse hídrico podem aumentar a mortalidade das árvores e afetar
negativamente a absorção de carbono pela fotossíntese. Ocorre um
processo conjunto de vários danos à vegetação, que começa com algumas espécies reduzindo ou até paralisando a fotossíntese, até a mortalidade de espécies mais sensíveis à situação agressiva de menor chuva, mais temperatura por um tempo mais longo. Daí viriam as emissões indiretas citadas por Gatti.
“O que muda na Amazônia se chover menos na estação seca? Tudo. O estresse hídrico aumenta, a temperatura aumenta e a floresta que não foi desmatada vai queimar junto porque está mais vulnerável, mais inflamável”, detalha.
Foram nove anos de estudos e mais de 600 voos realizados para a coleta do ar sobre a Amazônia até que as informações se consolidassem. As medições mostraram que, nos meses de agosto e setembro, a temperatura nas zonas mais desmatadas já aumentou 3,1 graus Celsius nos últimos 40 anos na parte sudeste.
O dado surpreende até as previsões mais pessimistas da ciência para a Amazônia. “É uma condição que se achava que seria atingida daqui a muito tempo. Mas já está acontecendo agora. Já houve pesquisador que mediu 50 graus de temperatura na copa das árvores”, comenta Gatti.
Os estudos mais recentes indicam que a Floresta Amazônia pode estar perto demais do chamado ponto de não retorno, ou tipping point, quando ela perde a capacidade de se recuperar com o seu porte denso – o que os cientistas chamam de processo de savanização.
Previsões que se cumprem
Na década de 1970, uma descoberta do físico brasileiro Enéas Salati também causou alvoroço. Ele mostrou que a Amazônia não era apenas uma floresta, mas também produtora de uma enorme quantidade de vapor d’água que se transformava em chuva em outras regiões do país.
Foi quando uma nova pergunta passou a intrigar os pesquisadores: o quanto a floresta suportaria de desmatamento sem perder essa capacidade de gerar chuva? O brasileiro Carlos Nobre e o americano Thomas Lovejoy, em 1990, foram os primeiros a sugerir que, se esse índice chegasse a 40%, o centro, o sul e o leste da Amazônia teriam menos chuvas e uma estação seca mais longa, o que levaria a uma mudança para a vegetação de savana ao leste.
Anos depois, em 2018, eles revisaram esse número: se apenas 20-25% da floresta tropical for cortada, o temido ponto crítico pode ser atingido. Desde então, Nobre vem repetindo o alerta: “As medições já estão mostrando o aumento da estação seca e suas consequências. Estamos vendo o aumento da mortalidade de árvores típicas da Amazônia e a sobrevivência de árvores menores, mais resistentes, do cerrado [a savana brasileira]”, disse à DW. É o que o estudo de Gatti confirma.
Em toda a Amazônia, o corte já acabou com 15% da vegetação em relação à extensão de 1970. No Brasil, que detém mais da metade da floresta, cerca de 19% já desapareceram.
Gatti vê uma bola de neve se formando. “A cada ano que passa, a floresta mais desmatada tem menos vapor de água indo para a atmosfera. Isso traz um feedback negativo: a intensificação da estação seca prejudica a floresta na sua capacidade de remover carbono”, explica.
“Talvez as regiões do sul do Pará e norte do Mato Grosso já tenham atravessado o tipping point. Temos que continuar pesquisando”, comenta Gatti.
Saiba mais em: https://www.dw.com/pt-br/como-previs%C3%B5es-mais-pessimistas-para-amaz%C3%B4nia-j%C3%A1-se-confirmam/a-58281412
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