Por Ana Carolina Peliz
A deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR), única representante indígena no Congresso, disse em entrevista à RFI, que a defesa da demarcação de terras indígenas contra o “marco temporal” é positiva para todo o Brasil. O Supremo Tribunal Federal retomou nesta quarta-feira (1) o julgamento sobre a aplicação da tese do marco temporal a uma reserva de Santa Catarina. A decisão pode definir o rumo de centenas de áreas em litígio no Brasil.“As terras indígenas são uma estratégia de conservação e enfrentamento às mudanças climáticas. Então é de interesse do Brasil que haja esta proteção, não somente dos povos indígenas, mas principalmente das terras”, afirma a deputada, em um momento em que o desmatamento e as queimadas aumentam, principalmente na Amazônia.
Ela lamenta a flexibilização das regras de proteção ambiental no Congresso, que desconsidera a realidade da crise climática e que “cada vez mais tem atendido o interesse de apenas uma parte da sociedade que não é o interesse do povo brasileiro. O interesse, inclusive, de reeleição do próprio presidente”, diz.
Direito originário e marco temporal
A demarcação de terras indígenas é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, que estabelece aos indígenas o chamado “direito originário” sobre suas terras ancestrais. Isso quer dizer que eles são considerados por lei os primeiros donos naturais do território, sendo obrigação da União demarcar as terras ocupadas originariamente por esses povos.
A tese do marco temporal, que define que indígenas só podem reivindicar terras que já ocupavam antes da Constituição de 1988, “vai na contra mão do direito da demarcação das terras indígenas, conforme os critérios constitucionais”, insiste a deputada. Ela lembra que no Parlamento, onde a bancada ruralista é forte, existe uma grande pressão para passar esta tese dentro do Projeto de Lei 490.
Proposto pelo então deputado federal Homero Pereira em 2007. O PL foi rejeitado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara por considerá-lo uma tentativa de acabar com as demarcações de terra. No entanto, o PL foi desengavetado durante o governo Bolsonaro e aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em junho e agora segue para votação no plenário.
Wapichana diz que, devido aos interesses econômicos e pressões políticas em torno da questão, espera que a orientação sobre a constitucionalidade venha do Supremo. “O Supremo é nossa parte técnica, que tem essa capacidade, que tem essa competência de ver a constitucionalidade, mais do que interesses políticos individuais como a bancada ruralista. O lado que defende o PL 490, tem defendido sem qualquer argumento técnico, sem qualquer argumento plausível”, diz a deputada.
“Infelizmente hoje é a maioria dentro do Congresso Nacional que vem fazendo uma aprovação de uma forma rápida, de uma forma que não considera a realidade e o que a nossa Constituição e a jurisprudência têm anotado”, diz. De acordo com ela, a decisão por parte do Supremo é importante, para colocar de maneira clara que qualquer mudança nas regras de demarcação deve seguir critérios contistucionais.
Participação e legitimidade
Ela lamenta que em nenhum momento da história do Brasil ou do Congresso os povos indígenas foram consultados sobre as regras de demarcação. “Teve sim luta pelo direito. Eu diria que tudo de positivo da Constituição que teve em 1988, foi por base de mobilização social ou mobilização dos povos indigenas que conquistaram alguns artigos”.
Durante o debate sobre o PL 490, Wapichana sofreu hostilidades de outros parlamentares. “Colocaram minha legitimidade em questão. Porque eles não têm argumentos técnicos, então preferem atacar as pessoas” diz. “A presidenta da CCJ, me cortou diversas vezes”, se referindo à deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), que a impediu de apresentar seus argumentos.
“Me atacaram, atacaram os povos indígenas, tiveram muitos posicionamentos racistas”, diz Wapichana. “Isso segue muito a fala do presidente da República, que não tem o mínimo de decoro, o mínimo de comportamento republicano”, critica.
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