Clipping

5 passos para evitar a catástrofe amazônica

Desmatamentos, vulnerabilidade de povos indígenas, possibilidade de aparecimento de novas doenças, urbanização precária: cenário, que se degradava rapidamente com governo Bolsonaro, piorou na pandemia. Mas é possível transformá-lo

Por Artur Sgambatti Monteiro e Lucas Lima dos Santos

Este artigo pretende lançar luz sobre os desafios particulares colocados pelo surto de Covid-19 à Amazônia brasileira. Os danos já causados pelo histórico de exploração da região foram dramaticamente aumentados e expostos nesta situação. A falta de um programa global de desenvolvimento abrangente que abrace estratégias de conservação, assistência social, pesquisa e alternativas econômicas significa que essa vasta área foi esquecida em termos de desenvolvimento social e proteção ambiental. O despreparo resultante de uma situação extrema como a pandemia evidencia a necessidade urgente de uma política inclusiva e uma reversão da política de exclusão do Brasil (que se aplica tanto às classes quanto às regiões). Além disso, a instabilidade política e a retórica negacionista estão agravando a crise global.

Em maio de 2020, o Brasil tornou-se o novo epicentro mundial da pandemia do Coronavírus, por razões ligadas às enormes desigualdades sociais do país, crises políticas e econômicas de longa duração, um serviço de saúde desigualmente distribuído (tanto entre classes como regiões) e a lamentável condução da crise atual pelos representantes do governo federal. A Amazônia é atualmente a região mais impactada do país. Sendo um vasto bioma caracterizado por sua grande diversidade social e biológica, a Floresta Amazônica tem se mantido vulnerável e marginalizada pelas políticas de sucessivos governos e pela exploração contínua de seus recursos naturais. Neste presente texto mostramos como a pandemia está afetando a Amazônia brasileira, levando ao colapso dos sistemas de saúde em várias cidades, colocando em risco grupos étnicos indígenas, facilitando o desmatamento de enormes territórios e gerando preocupações crescentes sobre o possível surgimento imprevisível de novas doenças zoonóticas transmissíveis.

A Amazônia urbana

Em 16 de junho de 2020, o Brasil contava com 412.252 casos confirmados de covid-19 e 43.959 mortes confirmadas distribuídas em todo o país. Contudo, é questionável se tais dados forneçam uma imagem precisa da situação. Como evidenciado no Gráfico 1, a proporção de testes por milhão de habitantes no Brasil é muito pequena, quando comparada com diversos outros países. Em 16 de junho, o número de testes por milhão de habitantes foi de 7.66a (número absoluto de 1.628.482), quantidade muito limitada quando, por exemplo, analisamos os Estados Unidos (76.329, total de 25.259.077), a Alemanha (56.034 total de 4,7 milhões) e a Espanha (95.507, total de 4,8 milhões) (WORLDMETERS, 2020 e STATISTA, 2020). De fato, a taxa de testes no Brasil é semelhante à de países como Paquistão, Índia e Bangladesh. Outros países latino-americanos como Chile (44.950, total de 858.958) e Peru (41.773, total de 1,4 milhão) tiveram um desempenho muito melhor. A falta de testes resulta em uma subestimação do real impacto do covid-19 no Brasil e dificulta a ação adequada para combater o vírus. Os números da Floresta Amazônica, mesmo com grande subnotificação, já indicam uma tendência alarmante, confirmada por observações in situ.


Gráfico 1: Quantidade de testes de covid-19 realizados nos países mais impactados até 16 de Junho de 2020 (por milhão de habitantes). Fonte: (STATISTA, 2020)

O Gráfico 2 fornece números para as 20 cidades brasileiras com as maiores taxas de mortalidade por covid-19 (por 100 mil habitantes), em meados de maio. Três quartos deles estão localizados na Amazônia brasileira (verde claro). As estatísticas de infecção mostram um quadro semelhante: Aqui, também, as cidades amazônicas são responsáveis pela maioria das 20 cidades brasileiras com maiores taxas de infecção (G1a, 2020). Ambos os números deixam claro que a situação na Amazônia é uma questão de grande preocupação. Isso pode ser atribuído às más condições nesses assentamentos, onde, além da maioria só contar com acesso fluvial, possuem precários sistemas de saúde e de saneamento. Embora possua uma população semelhante ao Estado do Espírito Santo (cerca de 4 milhões de habitantes), o estado do Amazonas possui menos da metade do número de leitos de terapia intensiva por 100 mil habitantes (1,24, contra 2,72) (Conselho Federal de Medicina, 2018). Isso demonstra a enorme divisão social na sociedade brasileira e a falta de prontidão e coordenação para lidar com a pandemia. Ademais, faz-se possível supor que a realidade é bastante mais alarmante do que a sugerida pelas taxas oficiais de morte e infecção.

Gráfico 2: Taxa de mortalidade por covid-19 em cidades brasileiras (por 100.000 habitantes). Fonte: (G1a, 2020).

Há também peculiaridades consideráveis entre as cidades amazônicas incluídas no Gráfico 2. A situação é particularmente ruim em Manaus, capital do Amazonas. Com 2,1 milhões de habitantes, Manaus é a maior cidade da região Pan-Amazônica. A forte e marcante presença industrial, assim como de outros serviços (p. ex., centros de pesquisa, universidades, hospitais, etc.), além de contrastar fortemente com a realidade regional atraiu, e ainda o faz, grande contingente populacional, levando a forte processo migratório regional. Tal fato levou Manaus a ser a capital estadual que mais cresce no Brasil desde a década de 1970. No entanto, a falta de planejamento adequado para lidar com uma realidade complexa e de rápida mudança, combinada com as baixas rendas e as políticas de bem-estar fracas (em habitação, saúde e saneamento) deixaram muitas seções da população altamente vulneráveis. Essa frágil realidade se reflete agora nos casos de covid-19.

Até o dia 16 de junho Manaus já contava com mais de 1.600 óbitos confirmados por covid-19, mas esse número contem uma subnotificação considerável. Como capital do Amazonas, estado com a segunda maior taxa de infecção do país, em Manaus localiza-se a maioria dos leitos de UTI da região e suas instalações médicas já estão severamente sobrecarregadas. A taxa de mortalidade de 638,6 por milhão de habitantes coloca o Amazonas à frente de todos os demais estados brasileiros. Cabe citar que conta com 1.442 caos por milhão de habitantes, figurando como segundo estado mais infectado, atrás apenas do Amapá, com 2.193 casos por milhão. Nas últimas semanas, estima-se que mais metade das mortes de covid-19 em Manaus tenha acontecido nas casas das pessoas, levando a enterros em massa em valas comuns.

Tudo isso evidencia a fragilidade dos assentamentos urbanos na Amazônia. Ao contrário de outras cidades maiores, com maior número absoluto de infecções e mortes (como São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Recife), a maioria das cidades amazônicas possuem população pequena (<50.000) espalhadas por uma vasta área, não está conectada a estradas, depende de sistemas de saúde pobres e tem canais de comunicação limitados, o que dificulta o monitoramento de sua situação. Paradoxalmente, o afastamento dessas cidades – juntamente com um serviço de saúde fraco – pode ser um fator importante na vulnerabilidade de suas populações.

Além de Manaus, 13 das cidades mostradas no Gráfico 2 estão no estado do Amazonas. Parintins, Manacapuru e Itacoatiara estão entre as 4 maiores cidades do estado, com cerca de 100 mil habitantes cada e enfrentam desafios semelhantes aos de Manaus: crescimento rápido, não planejado, falta de capacidade de resposta e certa sobrecarga por atender às necessidades de saúde das localidades vizinhas. Autazes, Iranduba e Presidente Figueiredo também são exemplos interessantes, pois fazem parte da Região Metropolitana de Manaus (RMM) – a Região Metropolitana de Manaus é constituída por uma estrutura administrativa que compreende a cidade de Manaus, 12 municípios do entorno e também o estado do Amazonas – que, por sua natureza metropolitana, deveriam contar com sistemas e planejamento para lidar com questões comuns, como a prontidão do sistema de saúde. Devido ao grande número de pessoas que procuram tratamento na RMM, ela pode ter se tornado tanto um epicentro do surto como uma fonte de infecção para o interior.

O caso de cidades menores e mais isoladas, como Maués (a jusante de Manaus), Santo Antônio do Içá e Tabatinga (ambas na fronteira com a Colômbia) também são interessantes nesse sentido. Todas essas cidades não têm conexão rodoviária, dependem inteiramente do transporte fluvial e têm uma alta população indígena. Esses municípios também se caracterizam por baixa densidade populacional. Maués, por exemplo, tem uma área administrativa de 40.000 km2 (pouco menor que o estado do Rio de Janeiro, com 43.780km2) com apenas 10.000 habitantes. No entanto, embora isoladas e limitadas em seus recursos, essas cidades atuam como polos econômicos e comerciais regionais para comunidades extrativistas ainda mais remotas, populações tradicionais e diferentes povos indígenas. Isso nos leva ao próximo tópico de nossa análise.

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/terraeantropoceno/5-passos-para-evitar-a-catastrofe-amazonica/

Comente aqui