Vendida à Boeing por uma ninharia, com as bênçãos de Temer e Bolsonaro, ela foi agora enjeitada. Maior empresa tecnológica do país está sem rumo. Ficará com a China? Cairá em irrelevância? Governo divide-se. Crise expõe país em queda livre
Por Raúl Zibechi | Tradução: Ricardo Cavalcanti-Schiel
A aliança estratégica entre o governo civil-militar do Brasil e os Estados Unidos sofreu um sério revés com a decisão da Boeing de cancelar o acordo de compra da Embraer, a terceira maior empresa de construção aeronáutica comercial do mundo. Agora, a joia da coroa dos militares brasileiros está sem rumo, e pode precipitar-se em uma crise demolidora.
A empresa norte-americana “não recebeu um único pedido novo de fornecimento de aviões em janeiro” pela primeira vez em mais de meio século [segundo notícia da sua página web]. A crise é tão profunda que em 2019, “o fornecimento de aviões comerciais da Boeing se retraiu à metade na comparação com o mesmo período de 2018”.
O negócio com a Embraer consistia na compra de 80% da divisão comercial da empresa brasileira por cerca de 4,2 bilhões de dólares e a criação de uma joint venture para buscar novos mercados para o cargueiro militar C-390, além do desenvolvimento de aerotáxis para mobilidade aérea urbana. Na terceira semana de abril, a Boeing rescindiu o Master Transaction Agreement (MTA) assinado com a Embraer, por meio do qual as duas companhias afirmavam buscar “um novo nível de associação estratégica”.
“É decepcionante, mas chegamos a um ponto em que as negociações não vão resolver os problemas”, afirmou o vice-presidente senior da Boeing, Marc Allen. A data limite para chegar a um acordo era 24 de abril. Um dia depois, a Boeing fez o anúncio. O lado brasileiro assegura que “a Boeing encerrou injustamente a aliança e inventou pretextos para evitar o pagamento dos 4,2 bilhões da compra”.
As razões não expressadas pela Boeing devem ser buscadas na crise provocada pela paralisação da produção do 737 MAX, ao que se deve somar a situação criada pela pandemia de coronavírus na indústria aeronáutica. A Boeing teve um déficit de 633 milhões de dólares em 2019, com a consequente crise financeira, uma vez que o fim da produção do MAX implica a perda de 19 bilhões de dólares. A empresa norte-americana está pedindo uma ajuda de 60 bilhões de dólares ao governo Trump para sobreviver à atual paralisia do setor aéreo.
O jornal especializado espanhol El Economista lembra que a crise da Boeing começou quando, em menos de cinco meses, caíram dois aviões 737 MAX, obrigando a firma a deixar em terra, durante mais de um ano, o modelo projetado para ser sua nova sensação de vendas. [O acordo com a Embraer foi assinado apenas doze dias antes da queda do segundo avião]. O objetivo da compra da Embraer era competir no segmento de mercado dos aviões médios (90-120 lugares), que hoje é dominado pela francesa Airbus, com o A220. Para a empresa europeia, a quebra do acordo é uma excelente noticia, mas para a brasileira é alguma coisa como um monumental chute do traseiro, uma vez que, agora, a própria continuidade da empresa fica sob suspeita.
Tão logo se tomou conhecimento do cancelamento da venda, as ações da Embraer caíram 14%. No entanto, ao longo do ano, essas ações já tinham se desvalorizado 60%. Agora é a Embraer que busca um plano B, que não parece ser de modo algum simples.
Analistas citados pela famigerada revista Veja notaram que o rompimento de acordo com a Boeing “não poderia acontecer em um momento pior: as vendas estão paradas; a demanda geral de jatos desapareceu devido ao coronavírus; [e] a queda nos preços do petróleo enfraqueceu ainda mais os novos aviões”.
Saiba mais em: https://outraspalavras.net/crise-brasileira/a-embraer-voa-para-o-nada/
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