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Após Peru, onda de protestos chega à América Central

Duramente castigada pela pandemia, região sofre também crises cambiais, empobrecimento e desocupação. Guatemala, Honduras e El Salvador são os mais afetados. Incêndio do legislativo guatemalteco é um sina. Veja situção em cada país

Por Gilberto Lopes, em A Terra é Redonda

Como esqueleto sem osso

No cenário político variado e intenso da região, a América Central foi sendo esquecida, apesar de sua crescente instabilidade política. Os efeitos da pandemia, especialmente no chamado triângulo do norte – Honduras, El Salvador e Guatemala – serão devastadores. A análise é do “Centro Tricontinental” (CETRI), uma organização sediada na Bélgica, que solicitou a especialistas centro-americanos que analisassem a situação na região. Enfraquecido por décadas de programas de ajuste estrutural, com pobreza e desigualdade generalizadas, sujeitos a uma violência histórica e à corrupção, com sistemas precários de saúde e educação, a pandemia tem agravado os problemas sociais.

Num cenário atualizado em abril de 2020, a Secretaria de Integração Econômica Centro-americana estimou uma queda de 6,9% do Produto Interno Bruto (PIB) da região em 2020, e de 1,4% em 2021. El Salvador e Honduras, com quedas de cerca de 8%, seriam os países mais afetados. Costa Rica com -5%, Nicarágua com -4,5% e Guatemala com uma queda de 3,5% seriam os menos afetados. Entretanto, para a Nicarágua, em meio a tensões políticas e sanções internacionais, seria o terceiro ano consecutivo de crescimento negativo, com quedas semelhantes em 2018 e 2019.

A região ainda mostra uma alta dependência do fluxo de divisas provenientes de remessas de familiares. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), num estudo para “Dimensionar os efeitos da COVID-19 a fim de pensar na retomada”, lembrou que elas representaram quase 20% do PIB em El Salvador e Honduras, e mais de 10% na Guatemala e Nicarágua. Na Costa Rica, eles são menos significativos. Contudo, se as perspectivas de remessas foram catastróficas no final de abril – uma redução de 17% a 20% –, projeções mais recentes, como as do diretor do Centro de Migração e Estabilização Econômica, em Washington D.C., Manuel Orozco, estimam que sejam muito menores. Os países mais afetados seriam a Costa Rica, com uma diminuição de 4,7%, El Salvador, com 1,7% e Honduras, com 1,6%. Em contrapartida, Guatemala e Nicarágua poderiam aumentar em 0,4% e 0,9%, respectivamente.

Guatemala

Guatemala, principal economia da região, “está no meio de uma tempestade que pode se transformar num verdadeiro furacão político”. A pouca institucionalidade existente está alquebrada, disse Gonzalo Marroquín, jornalista de longa trajetória no país, que também nos lembra da passagem dos furacões Eta e Iota que, em pouco mais de quinze dias, afetaram profundamente o país. No retorno, temos anunciada uma crise social, sem esquecer da Covid-19, afirma. A crise no poder executivo acentuou-se em 20 de novembro, quando o vice-presidente Guillermo Castillo pediu ao presidente Alejandro Giammattei que ambos apresentassem suas renúncias, por não terem conseguido cumprir suas promessas de campanha.

A aprovação do orçamento pela Assembleia Legislativa na semana passada – “parte de um pacto sinistro entre a classe política”, afirma Marroquín – deu lugar a protestos em todo o país. Os recursos foram administrados de forma opaca e destinados a pagar favores e dívidas políticos em relação à infraestrutura, disse David Casasola do Centro de Pesquisas Econômicas Nacionais (CIEN). Particularmente preocupante é o aumento da dívida pública, de 41% em dois anos, embora a dívida da Guatemala represente menos de 30% do PIB. No sábado, 21 de novembro, os manifestantes incendiaram os escritórios do Congresso na capital, enquanto as manifestações se espalhavam por vários departamentos.

Honduras

Em Honduras, o presidente do Conselho Hondurenho de Empresas Privadas, Juna Carlos Sikaffy, estimou, na semana passada, que a economia poderia cair quase 11% este ano, como resultado não só da pandemia, mas também da passagem dos furacões Eta e Iota, que afetaram particularmente este país. “Para onde vai Honduras?”, perguntou a equipe de pesquisa do Centro de Documentação de Honduras (CEDOH), uma instituição associada ao National Endowment for Democracy dos Estados Unidos, num artigo publicado em setembro passado. Honduras abraçou com grande entusiasmo o neoliberalismo no governo nacionalista do presidente Callejas (1990-94), disse o relatório. Esqueceu-se do já precário sistema de saúde pública e permitiu que a iniciativa privada o comercializasse.

“Quando a Covid-19 apareceu, para eles foi como ganhar na loteria”. Os 10% ou 15% que cobravam de comissão já não eram mais suficientes, mas eles a elevaram para 70%! “Eles começaram a traficar tudo o que era útil para a pandemia, desde máscaras, luvas, desinfetantes, respiradores, oxigênio, testes para detectar o vírus, até hospitais de campanha”, disse a CEDOH. Desde o golpe de estado de julho de 2009, o país tem sido governado pelo conservador Partido Nacional, “que tomou o poder depois da saída prematura de Zelaya e o manteve em meio a denúncias de fraude, corrupção e ligações com o narcotráfico”, de acordo com uma análise da BBC citando o jesuíta Ismael Moreno, diretor da Equipe de Reflexão, Pesquisa e Comunicação da Companhia de Jesus em Honduras (ERIC).

“Em meio a um pacto de impunidade e uma pandemia que exacerbou os atos de corrupção dos mais próximos de Juan Orlando Hernández (o presidente), é anunciado o quarto processo eleitoral”, que se realizará em novembro do próximo ano, “no marco da institucionalidade danificada, herdada do golpe de estado de 2009”, disse Moreno em recente artigo publicado na revista hondurenha Envío. Segundo o jesuíta, “Hernández age com base no fato de ser reconhecido pública e oficialmente como um narcotraficante, e isto não significa apenas que ele corre o risco de ser requerido a qualquer momento pela justiça estadunidense, mas também que ele permanece na mira vingativa de vários líderes do narcotráfico”. Sua estabilidade atual e futura, acrescenta, “é sustentada apenas por sua aliança com os militares e seu círculo familiar e político mais próximo”.

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