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“Berlin Alexanderplatz” volta às telas como drama de refugiado

Em novo filme, o roteirista e diretor de origem afegã Burhan Qurbani enfatiza a contemporaneidade de um dos maiores romances alemães: em vez de um ex-presidiário, um refugiado africano; em vez de 1920, a Berlim atual.

Franz Biberkopf acaba de sair da prisão. Francis sobreviveu por um triz ao naufrágio de um barco de refugiados no Mar Mediterrâneo. Ambos querem começar vida nova na capital alemã, Berlim, e ambos estão ávidos por trabalho, normalidade, amor. Franz é o herói literário do famoso romance de Alfred Döblin Berlin Alexanderplatz, de 1929; Francis é o protagonista da nova versão cinematográfica de Burhan Qurbani.

Diversas figuras literárias já deram o salto do papel para as telas, e não é inusitado um romance com mais de nove décadas ser filmado mais de uma vez. Porém é admirável como Qurbani e sua equipe conseguiram transformar a narrativa dos últimos anos da República de Weimar numa história contemporânea.

A nova versão, que estreou na Berlinale e agora está sendo lançada nas salas alemãs com atraso ditado pela pandemia, dura cerca de três horas e é dividida em diversos capítulos, aproximando-se, assim, das nove partes e centenas de páginas do romance de Döblin.

A primeira filmagem, de Phil Jutzi, em 1931, teve que se contentar com 90 minutos, limitando-se aos pontos essenciais da história. Por sua vez, a série de TV de Rainer Werner Fassbinder, de 1980, era bastante fiel ao original literário, com todos os seus motivos, temas e vertentes narrativas, mas também se situava na época da República de Weimar.

O fato de a versão de Burhan Qurbani transcorrer no aqui e agora aumenta muito seu potencial de interesse. Berlin Alexanderplatz se transformou (também) numa história de refugiados, abordando assim um dos problemas prementes do mundo globalizado no novo milênio.

Entre o antigo e o atual

O protagonista Francis foge da África Ocidental para a Europa, chega a Berlim. Lá ele tenta primeiro subsistir sem estatuto oficial de refugiado, mas com trabalho legal, e acaba fracassando. Através do contato com o criminoso Reinhold, entra para a ilegalidade. Mais tarde conhece a prostituta Mieze, se apaixona e começa um relacionamento.

Esse arcabouço narrativo equivale ao de Döblin, porém a época, meio social e personagens são outros. Como explicou o diretor Qurbani, em entrevista à agência de notícias DPA, para ele o indivíduo está no centro: “Acho que o livro quer nos contar algo sobre o ser humano. O livro se interessa pela pessoa e como ela se move nessa megalópole”, e isso permanece atual.

Cena de Berlin Alexanderplatz

“Nosso filme se restringe principalmente à trama em si: o triângulo amoroso, essa ménage-à-trois entre Franz, Mieze e Reinhold, como eles se encontram, se atormentam. E como Franz Biberkopf tem que encontrar a si mesmo.”

Para o cineasta, o local da ação não mudou essencialmente: “Berlim não perdeu nada da qualidade que tinha nos anos 1920 ou 30. Tentamos transpor isso em nosso filme, até onde possível.” Quem leu o livro com atenção reconhecerá muito nessa versão cinematográfica, e também a estética e a forma literária foram modelos para ele, afirma.

“O que me fascinou totalmente foi a forma do romance, a técnica de montagem, essa linguagem selvagem que Döblin tem, as imagens religiosas e morais que ele constrói.”

Mais do que “só” um drama de refugiados

Burhan Qurbani nasceu na antiga Alemanha Ocidental, em Erkelenz, no estado da Renânia do Norte-Vestfália, mudando-se adolescente para Berlim. Seus pais haviam emigrado do Afeganistão no fim dos anos 70.

Embora sua biografia pessoal não seja comparável à do protagonista Francis, as experiências de vida do cineasta também se infiltraram no roteiro e no filme: “A Berlim que eu conheci era uma cidade incrivelmente perigosa, porque há tantas possibilidades de desviar a atenção e se perder e se divertir.”

Cena da primeira filmagem de Berlim Alexanderplatz, de 1931

E também Francis é confrontado com um mundo inteiramente novo: além de toda a privação com que se confrontam os refugiados, o deslocamento cultural também é um desafio.

É um mérito Burhan Qurbani não ter “só” adaptado em comovente drama de refugiados um dos mais famosos romances da história literária alemã: Berlin Alexanderplatz é também uma transposição visualmente convincente desse conflito básico de nossa época globalizada: a colisão de culturas contrastantes.

Veja em: https://www.dw.com/pt-br/berlin-alexanderplatz-volta-%C3%A0s-telas-como-drama-de-refugiado/a-54189440

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