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Bienal de Berlim apresenta “um Brasil para além das más notícias”

Em entrevista, curadora Lisette Lagnado fala sobre participação recorde do Brasil na Bienal de Arte Contemporânea de Berlim. Entre os temas estão pós-colonialismo, patriarcado, nacionalismo e o papel da religião.O Brasil que desponta na 11ª Bienal de Arte Contemporânea de Berlim respira ofegante, mas ainda pulsa – e como. Com uma presença recorde de artistas, o país está representado por obras como o vídeo Marcha a ré, do Teatro da Vertigem, uma contundente crítica ao tratamento dispensado pelo poder público à pandemia.

“O filme interpela a falta de empatia e negligência do governo federal em relação às vítimas”, diz a crítica de arte paulistana, Lisette Lagnado, de 59 anos, que divide a curadoria com a chilena Maria Berríos, a argentina Renata Cervetto, e o espanhol Agustín Pérez.

O arcabouço teórico vem do artista Flávio de Carvalho, um provocador que, nos anos 50, lança o new look e sai com uma minissaia para, segundo Lagnado, reverter “nossa submissão aos paradigmas europeus”.

Morto nos anos 90, aos 22 anos, Pedro Moraleida surge com suas obras viscerais, que questionam a figura da Igreja, o papel do patriarcado e o nacionalismo – temas que atravessam a Bienal. Mais leveza – visual, ao menos – tem a instalação de Aline Baiana, que suspende minérios brasileiros para pensar o pós-colonialismo sob a ótica dos crimes ambientais e do extrativismo.

A mostra é extensa e inclui obras do Museu de Imagens do Inconsciente (RJ) e do Museu de Arte Osório Cesar (SP). Há instalações, pinturas, fotos e vídeos de oito convidados do Brasil, entre artistas, instituições e coletivos. “A ideia era dar espaço para a riqueza que o Brasil tem em termos de criatividade e de expressão visual”, diz a curadora.

Com o tema “A fissura começa por dentro” (“The crack begins within”), a mostra pode ser vista até 1º de novembro na capital alemã, dentro das restrições impostas pela covid-19.

DW Brasil: O Brasil tem uma presença recorde nesta Bienal. O que isso significa para o país neste momento?

Lisette Lagnado: Isso acontece num momento especial, em que o Brasil só tem más notícias, depois de ter vivido um período de autoestima internacional durante quase uma década. É uma alegria poder trazer uma imagem para além do noticiário e do que acontece nesse momento no país, como a devastação da Amazônia, a pandemia e o genocídio das populações originárias. Mas não se pensou numa presença brasileira grande a priori. Isso se deu ao longo do processo.

Além de você, a curadoria inclui uma argentina, uma chilena e um espanhol. Essa formação se reflete claramente na escolha das obras. Foi intencional?

Isso reflete os campos de pesquisa de cada curador. Queremos falar dos nossos contextos, onde temos inserção verdadeira – e não sermos uma espécie de curador jet set, que viaja de um país para outro, busca um artista aqui, outro lá. Brasil, Chile, Argentina e Espanha têm uma presença privilegiada porque é a partir dessa realidade que a gente quer abordar os temas que nos afligem, como a destruição da noção do patriarcado, o nacionalismo tóxico, as religiões monoteístas que trazem fanatismo. Mas existe também um sul global, que a gente olhou com atenção. Procuramos não apenas fazer uma exposição internacional, mas discutir ainda os temas coloniais e fazer disso um estudo de caso. Assim há uma representação inédita de artistas de origem roma, turca, filipina e coreana, por exemplo.

Concebido pelo Teatro da Vertigem, Marcha e Ré é apresentado como uma obra que trata da “necropolítica do regime populista de extrema direita no Brasil, engajado num genocídio contra sua própria população”. Como surgiu o convite para o grupo?

A pandemia é um assunto que não estava previsto, mas que atravessa a Bienal – e o trabalho do Teatro da Vertigem, convidado a fazer uma peça aqui. O grupo faz um teatro urbano, com pessoas de diversas disciplinas. Sem poder viajar, eles acabaram convidando mais dois artistas – o Nuno Ramos e o Eryk Rocha, filho do Glauber. No vídeo, a marcha fúnebre – uma procissão com cerca de 120 carros, traz a questão do descaso com a saúde pública e das mortes que poderiam ter sido evitadas. O filme interpela a falta de empatia e a negligência do governo federal em relação às vítimas. Quando em vez de ter a bandeira brasileira sendo hasteada, a gente tem a figura da mãe morrendo – um trabalho que o Flávio de Carvalho fez em 1947 – eles acabam mostrando a imagem de uma nação morrendo.

Saiba mais em: https://www.terra.com.br/diversao/bienal-de-berlim-apresenta-um-brasil-para-alem-das-mas-noticias,3292fc3a6eb306bdfa3ab719853d8075sq2sv2gr.html#:~:text=Bienal%20de%20Berlim%20apresenta%20%22um%20Brasil%20para%20al%C3%A9m%20das%20m%C3%A1s%20not%C3%ADcias%22,-9%20out%202020&text=Em%20entrevista%2C%20curadora%20Lisette%20Lagnado,e%20o%20papel%20da%20religi%C3%A3o.

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