Em entrevista à Pública, o ex-candidato à prefeitura de SP diz que as forças progressistas não podem se unir só na hora da eleição, e precisam construir juntas caminhos para enfrentar o bolsonarismo e a crise decorrente da pandemia
Por Andrea DiP
Com vasta trajetória no movimento social e uma jovem carreira na política institucional, o filósofo, psicanalista, e líder do MTST Guilherme Boulos (Psol) chegou ao segundo turno das eleições municipais em São Paulo com uma votação expressiva, especialmente nas periferias de São Paulo. Apesar da derrota nas urnas, ele levou 2.168.109 votos na disputa contra o prefeito eleito Bruno Covas (PSDB), quase o mesmo número que a soma de todos os votos recebidos no primeiro turno por candidatos do Psol a prefeituras em todo o Brasil.
Por conta dessa ascensão, Boulos tem sido apontado como um novo rosto de liderança para a esquerda e uma figura capaz de unir o campo progressista. Ele afirma, no entanto, que seu protagonismo não deve estar acima desta união, que ele diz ser o objetivo mais importante e a única chance de derrotar o bolsonarismo: “Se a unidade não prosperar, se não houver uma compreensão e uma maturidade política de lideranças do nosso campo sobre a importância da unidade para derrotar o bolsonarismo, bom, só nos resta lamentar. Se o resultado for este, cada campo, cada partido de esquerda vai ter a sua candidatura, vai apresentar o seu projeto, e a chance de a gente repetir fracassos agindo dessa forma é muito maior. A sociedade toda vê isso, o eleitorado de esquerda vê isso. Não é possível que as direções políticas do campo da esquerda não sejam sensíveis a pelo menos fazer um esforço e uma tentativa nesse sentido”.
Mas pondera: “A unidade sozinha não vai dar vitória para a esquerda, a unidade é uma mensagem importante, mas não é suficiente para uma vitória, para derrotar o bolsonarismo. Tem um outro desafio que é reconectar a esquerda com o povo, esse desafio é a minha obsessão há 20 anos atuando no movimento de base, no MTST, nas ocupações de terra, nas lutas sociais”.
Sobre uma possível candidatura à presidência em 2022, não afirma mas não descarta: “É evidente que eu não tenho como descartar e dizer ‘não serei candidato em nenhuma hipótese’, isso aí é demagogia, não tenho nem cara, nem condição, e nenhuma razão para fazer isso. Mas tampouco acho que ajuda o projeto de esquerda eu chegar agora e me afirmar como candidato. Isso não está colocado para mim, eu não sou daqueles que sai de uma eleição já com a cabeça na seguinte”.
Guilherme Boulos foi escolhido para esta entrevista pelos Aliados da Agência Pública e, durante a conversa, respondeu a várias das perguntas que eles enviaram anteriormente.
A primeira vez que eu te entrevistei, para o perfil que fizemos para a Pública em 2017, você era super reservado quanto à sua família e a sua vida pessoal, era algo que você não queria expor de jeito nenhum. E como candidato desde 2018 sua vida passou a ser super exposta – sua família, sua casa. Como é isso pra você? Foi um processo fácil, tranquilo?
Olha, você foi a pessoa que fez o primeiro perfil meu que foi publicado. Eu tinha uma reserva muito grande em relação à exposição por duas razões: primeiro porque eu sempre encarei a política como um projeto coletivo. Obviamente existem lideranças que se formam, se legitimam nos processos, mas as lideranças têm que responder a esse processo coletivo, e não o contrário. E segundo, eu sempre trabalhei para preservar quem eu amo e está junto comigo, a minha família. As minhas filhas não tomaram a decisão que eu tomei, então não é justo que elas paguem o preço dessa decisão. Esse sempre foi o meu esforço. Eu consegui manter de algum modo essa reserva, enquanto liderança de movimento social.
Agora, quando eu virei candidato à presidência da República e depois candidato a prefeito de São Paulo, você tem o escrutínio por parte da mídia e uma curiosidade por parte das pessoas. E aí não é mais se ela vai admirar uma liderança ou não. As pessoas querem conhecer quem elas vão ou não votar como seu representante para governar o país ou a cidade. Como eu assumi uma nova tarefa, eu também me abri mais às consequências e às responsabilidades que essa nova tarefa de candidato trouxe pra mim.
A exposição inicial para a família, sobretudo em 2018, foi muito difícil. Principalmente, para as minhas filhas, que escutarem coisas na escola, [sofreram] ataques… e elas sentiram isso, são crianças… Em 2020 eu achei que precisava tratar isso de uma outra forma e talvez a melhor forma de protegê-las, e também a mim, era me antecipar aos ataques que viriam e expor como é a nossa vida de forma transparente, como é a nossa relação, como é a minha personalidade, qual é a minha trajetória, a minha história. E eu acho que foi uma estratégia bem mais acertada porque ajudou a desmistificar e quebrar preconceitos.
Qual a sua avaliação dessas eleições municipais, não só em São Paulo mas no Brasil?
O Bolsonaro perdeu as duas batalhas políticas de 2020, que foram as eleições nos EUA e as eleições municipais no Brasil, que foram decisivas para o projeto que ele construiu.
Se o Trump continuasse presidente dos EUA, o Bolsonaro teria um respaldo internacional. O Bolsonaro, aliás, reduziu a política externa brasileira a uma lambe botas dos Estados Unidos, a um apêndice do departamento de estado norte-americano. E a derrota do Trump deixa o governo dele numa situação muito delicada, porque ele já tinha virado na comunidade internacional o famoso “espalha rodinha” – ele chegava e as pessoas saíam, ninguém queria estar perto dele. E, lamentavelmente, ele arrastou o país e a imagem externa do país para esse lamaçal. A derrota de Trump, além de importante do ponto de vista da correlação de forças em nível internacional, é uma derrota política do Bolsonaro e do bolsonarismo.
Nas eleições municipais, sem sombra de dúvidas o Bolsonaro é o maior derrotado, mesmo com a máquina federal, mesmo tendo atuado de maneira até pessoal e direta indo para programas de televisão. As apostas que ele fez nas maiores cidades do Brasil fracassaram. Nós derrotamos o Russomano, o candidato do Bolsonaro, e tiramos ele do segundo turno em São Paulo. Eu acho que esse foi um dos grandes méritos da nossa campanha, nós fomos responsáveis diretos pela derrota do bolsonarismo em São Paulo. No Rio, o Crivella foi derrotado. Os candidatos dele foram derrotados nas principais capitais.
Outra característica importante dessa eleição é a visão geral da mídia e de analistas políticos que dizem “ah, o grande vitorioso é o centro”. Primeiro, eu acho que nós temos que ser um pouco mais rigorosos com os conceitos. Chamar o Dória de centro me parece uma excrescência. O “bolsodoria” não vai ser esquecido. A velha direita brasileira que agora tenta adotar uma roupagem centrista para se diferenciar do extremismo do Bolsonaro, sempre foi direita. No segundo turno de 2018, essa direita estava entusiasmada com o Bolsonaro, ajudou a elegê-lo, e uma parte dela inclusive dá sustentação no Congresso Nacional para o governo Bolsonaro.
Essa velha direita, que não pode ser chamada de centro, teve vitórias eleitorais importantes [em 2020]. São Paulo e Rio de Janeiro são expressão disso. No entanto, ela não mobilizou paixões na sociedade como o bolsonarismo fez em 2018 – foram paixões negativas, foi o ódio, foi o medo, mas ele mobilizou paixões e organizou um campo na sociedade. O PSDB, o Dória, o Bruno Covas, o Eduardo Paes, que paixões que essa turma mobiliza?Eles ganharam praças importantes nessa eleição, é verdade. Mas é aquela vitória envergonhada, silenciosa, que não aponta para um projeto de cidade, de país e de sociedade. Eles não representam nada para o futuro. Nesse sentido, a novidade política dessa eleição foram candidaturas de esquerda que apresentaram uma novidade.
Nós não tivemos uma vitória eleitoral expressiva no campo da esquerda, tivemos o Edmilson em Belém que é uma vitória extraordinária para o PSOL e para a esquerda, outras vitórias pontuais. Mas, a vitória política e moral, quem conseguiu apontar para um movimento que, embora não tenha tido força ainda para ganhar eleitoralmente, tem a possibilidade de vitórias futuras e de construção de um novo ciclo, de construção de um novo campo, quem fez isso fomos nós.
Aliás, a nossa capacidade de movimentar a juventude é uma expressão clara disso. A pesquisa às vésperas da eleição mostrava a gente com 65% entre jovens aqui em São Paulo. Envolver, mobilizar e engajar a juventude para acreditar novamente na política como ferramenta de transformação, isso é um sinal de futuro muito forte, é o sinal de uma nova geração de esquerda surgindo com capacidade de quebrar barreiras, de voltar a dialogar com os jovens, de voltar a dialogar com a periferia, de disputar as redes sociais de igual para igual com a máquina bolsonarista. Nós fizemos isso nessa eleição. Eu acho que a gente plantou uma semente muito forte que vai florescer, é uma questão de tempo. Por isso que eu vejo que apesar da gente não ter tido tantas vitórias nas urnas, nós tivemos uma inquestionável vitória política nesse campo.
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