As consequências dos incêndios que afetam os biomas brasileiros podem ser notadas em diversas cidades do país. As queimadas intensas na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado atingem, além das regiões mais próximas, Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina.
Vinícius Lemos
A fumaça e as partículas liberadas pelos incêndios são levadas pelo vento a outras regiões. Como consequência, segundo especialistas, o céu desses locais pode adquirir cores incomuns e há riscos de chuva com coloração preta.
Nos últimos dias, a fumaça dos incêndios nos biomas brasileiros, e também da Bolívia, avançou para locais como as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e municípios de Minas Gerais, segundo a Metsul Meteorologia.
Essa fumaça já havia chegado ao Sul do país. No último dia 13, houve relatos de chuva preta na cidade de São Francisco de Assis, no Rio Grande do Sul. A suspeita é de que a coloração escura tenha sido causada pelos incêndios no Pantanal, que enfrenta o pior período de queimadas das últimas décadas.
Houve registro de chuva escura também em municípios de Santa Catarina, na última quinta-feira (17/09). A Defesa Civil do Estado confirmou que eram precipitações contaminadas por partículas de fumaça de incêndios no Pantanal.
Nos próximos dias, segundo serviços meteorológicos, existe a possibilidade de registro de chuva preta na cidade de São Paulo, que está encoberta por fumaça dos incêndios florestais. Em agosto do ano passado, houve precipitações escuras em alguns pontos da capital paulista e regiões próximas.
O céu tomado pela fumaça, que hoje preocupa moradores do Sul e Sudeste, é uma realidade frequente nos nove Estados que compõem a Amazônia Legal — como Acre, Amazonas, Mato Grosso e Rondônia. As pessoas que vivem nessas regiões sofrem diretamente os impactos das queimadas intensas e podem ser expostas a níveis de poluição do ar acima do limite recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Especialistas apontam que os riscos da fumaça que avança pelo país são menores que os problemas enfrentados pelas pessoas que moram nas proximidades dos biomas duramente afetados pelas queimadas. Apesar disso, a situação é considerada preocupante, por ser um reflexo do aumento dos incêndios florestais no Brasil.
Os incêndios e a fumaça
De janeiro a meados de setembro deste ano, foram registrados 69,5 mil focos de calor (que costumam representar incêndios) na Amazônia, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Somente na primeira quinzena deste mês, na Amazônia, houve crescimento de 86% de focos de calor, em comparação ao mesmo período do ano passado.
No Cerrado, foram registrados 40,8 mil focos de calor de janeiro a meados de setembro deste ano. Somente nas duas primeiras semanas deste mês foram 13,6 mil registros, crescimento de 9,21% em comparação ao mesmo período em 2019.
Já o Pantanal teve o maior crescimento de focos de calor entre os biomas neste ano. Os registros aumentaram 219%, em comparação ao mesmo período de 2019 — de janeiro à primeira quinzena de setembro. Até sábado (19/09), havia 15,9 mil focos correspondentes a 2020.
Somente nas duas primeiras semanas de setembro deste ano foram registrados 5,3 mil focos de calor no Pantanal. Em 2019, no mesmo período, havia 1,6 mil.
Os números confirmam que o mês de setembro deste ano tem sido marcado por queimadas intensas. As partículas geradas por esses incêndios são notadas em diversas partes do país por meio do céu, que pode ficar esbranquiçado ou alaranjado.
O meteorologista Francisco de Assis, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), relata que além da fumaça, situações como a poluição causada por automóveis e a poeira em suspensão — em regiões nas quais há muito tempo não chove — também colaboram para alterar a coloração do céu.
Quando associada à frente fria, a fumaça pode fazer com que o “dia vire noite”, como aconteceu em São Paulo, em uma tarde de agosto do ano passado.
Para chegar a diferentes regiões, a fumaça é carregada por meio dos ventos. “Esses ventos que levam a fumaça vêm de regiões oceânicas do Atlântico Tropical, entram no continente, passam pela Amazônia, pelo Cerrado e pelo Pantanal e seguem para o Sul e Sudeste, por conta da barreira natural formada pela Cordilheira dos Andes. Eles também chegam à Bolívia, Argentina e Paraguai”, explica o pesquisador Nilton Évora do Rosário, que estuda a poluição do ar.
“No Verão, essa massa de ar costuma chegar carregada de umidade às regiões Sul e Sudeste (fenômeno conhecido como rios voadores). Mas no período de queimadas, transporta essa fumaça, que é o que existe na atmosfera”, acrescenta Rosário, que é professor do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Os efeitos causados pelos incêndios nos biomas brasileiros podem viajar milhares de quilômetros. “A fumaça dos incêndios na Califórnia (nos Estados Unidos), por exemplo, foi detectada na Europa. Essa fumaça costuma ser depositada ao longo do percurso, mas dependendo da intensidade, pode viajar por dois ou três mil quilômetros facilmente”, relata o pesquisador Paulo Artaxo, doutor em física atmosférica pela Universidade de São Paulo (USP).
“Essa fumaça do Brasil, passando por São Paulo, faz parada até o Atlântico Sul e pode seguir para a África. Mas ela vai enfraquecendo, pois é depositada ao longo do tempo”, acrescenta Artaxo.
O especialista em física atmosférica detalha algumas possíveis consequências da fumaça levada a outras regiões do Brasil ou do mundo. “Ela pode ter efeitos à saúde. Além disso, pode reduzir a radiação no ecossistema por causa da absorção da atmosfera, alterar a fotossíntese e prejudicar atividades agrícolas”, diz Artaxo.
Após a chegada da fumaça à região Sudeste, a Metsul Meteorologia alertou que a situação pode piorar a qualidade do ar e causar problemas a pessoas que têm dificuldades respiratórias. A situação se torna ainda mais difícil no atual cenário da pandemia de coronavírus.
Saiba mais em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54221704
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