Um avião sobrevoa os campos e despeja dos céus brinquedos infectados pela gripe. Criadores de gado atraem uma tribo desavisada a um povoado que enfrenta uma grave epidemia. Fazendeiros largam estrategicamente pelo chão mudas de roupa contaminadas com varíola.
Por Leonardo Neiva
São esses alguns dos relatos registrados ao longo da história do Brasil que apontam para o uso proposital de doenças como armas biológicas em batalhas contra povos indígenas e que teriam contribuído para dizimar grande parte das tribos que existiam originalmente no país.
Ao descrever a investida de plantadores de cacau sobre as terras reservadas às tribos kamakã e pataxó, na Bahia do início do século 20, o antropólogo Darcy Ribeiro conta no livro Os índios e a civilização que os invasores lançavam mão de “velhas técnicas coloniais, como o “envenenamento das aguadas” e “o abandono de roupas e utensílios de variolosos onde pudessem ser tomados pelos índios”.
Para Rafael Pacheco, pesquisador do Centro de Estudos Ameríndios da USP (Cesta), o uso de objetos contaminados foi o principal método usado para inocular doenças entre os indígenas desde o início da colonização.
“Além da similaridade de métodos, o conflito de terras era a motivação mais comum para esses episódios”, explica.
O impacto devastador de doenças trazidas pelos europeus ao Brasil entre os índios é largamente conhecido. Além da baixa imunidade, os hábitos coletivos e a falta de tratamentos tornavam a população nativa especialmente vulnerável a doenças trazidas por estrangeiros, como conta o professor de antropologia da Universidade Estadual de Santa Cruz Carlos José Santos.
“Povos inteiros foram massacrados pelos contágios de doenças infecciosas. Aliás, muitos foram considerados extintos por elas, como é o caso dos goitacá”, diz Santos, que é indígena e conhecido pelo nome Casé Angatu.
Doenças como varíola, sarampo, febre amarela ou mesmo a gripe estão entre as razões para o declínio das populações indígenas no território nacional, passando de 3 milhões de índios em 1500, segundo estimativa da Funai (Fundação Nacional do Índio), para cerca de 750 mil hoje, de acordo com dados do governo.
As causas dessas epidemias são comumente tratadas pela história como involuntárias. Há, no entanto, diversos relatos de infecção proposital de tribos indígenas no país: entre os timbira, no Maranhão, os botocudos, na região do vale do Rio Doce, os tupinambá e pataxó, na Bahia, os cinta-larga, em Mato Grosso e Roraima, entre vários outros.
Segundo a antropóloga Helena Palmquist, que pesquisa genocídio indígena no Brasil, o método de infecção era comum. “É uma estratégia muito difícil de provar, e os casos aconteciam em rincões, no Brasil profundo, lugares em que ninguém queria entrar.”
“Essas histórias não são desconhecidas, só não são levadas a sério. Os casos não foram apurados e nenhuma medida foi tomada, esses episódios eram divulgados pelos órgãos oficiais como fatalidades”, afirma Pacheco.
Saiba mais em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53452614#:~:text=Como%20colonizadores%20infectaram%20milhares%
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