Vice-presidente da Fiocruz, parceira da AstraZeneca no Brasil, diz que escala de produção e capilaridade das campanhas contarão mais no longo prazo. Para ele, comparar eficácia de vacinas também pode ser enganador.
O início da vacinação contra a covid-19 no Reino Unido, em 8 de dezembro, com imagens de idosos e trabalhadores do setor de saúde sendo imunizados, provocou angústia em moradores de muitos outros países, que ainda não sabiam quando chegaria a sua vez, e aumentou a pressão sobre seus líderes.
Na União Europeia, a vacinação começa somente neste domingo (27/12), após diversas nações terem insistido para que a agência de medicamentos do bloco acelerasse a aprovação do imunizante produzido pela Pfizer e Biontech. Na América Latina, o Chile, a Costa Rica e o México começaram a vacinar seus moradores nesta quinta-feira (24/12), enquanto no Brasil a vacinação deve começar no final de janeiro ou em fevereiro.
Esse retrato da corrida pelas vacinas, no entanto, representa somente os primeiros 100 metros da maratona que será a imunização da população mundial, que dependerá da capacidade de produzir doses em quantidades gigantescas e de campanhas de vacinação que cheguem aos moradores, afirma à DW Brasil o vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Marco Krieger.
A Fiocruz foi a instituição escolhida pelo governo federal para produzir, em território nacional, a vacina desenvolvida pelo laboratório AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford. O primeiro lote, com um milhões de doses, estará disponível para o SUS entre 8 e 12 de fevereiro. A partir do final de fevereiro, serão entregues 3,5 milhões de doses por semana.
Os resultados do ensaio clínico de fase 3 da vacina de AstraZeneca/Oxford, porém, foram recebidos com ceticismo. Quando aplicada no regime recomendado, de duas doses inteiras, a eficácia foi de 62%, bem abaixo do resultado das vacinas da Pfizer/Biontech e da Moderna, que têm eficácia de 95%.
Krieger afirma que a comparação do resultado de eficácia das vacinas não é o caminho mais adequado para avaliar a qualidade dos imunizantes. Um dos motivos, diz, é que Oxford fez acompanhamento semanal para identificar pessoas que tinham sido vacinadas e se contaminaram, mas foram assintomáticas, o que reduz a taxa de eficácia. Já os testes de outras vacinas, segundo ele, incluíram apenas as pessoas que se contaminaram e mostraram sintomas.
Além disso, ele afirma que entre os 30 voluntários do ensaio clínico que receberam a vacina da AstraZeneca/Oxford e foram infectados, nenhum manifestou a doença de forma grave e foi internado. Já entre os oito voluntários do teste da Pfizer/Biontech que pegaram covid-19, um teve a doença na forma grave. “É um achado forte, a capacidade de a vacina fazer a proteção contra os sintomas graves”, diz Krieger.
Em defesa do imunizante, ele afirma que a vacina da AstraZeneca/Oxford será produzida em maior escala do que as de concorrentes, pode ser transportada e armazenada em temperatura de refrigerador comum e alcança boa taxa de eficácia já na primeira dose – que, segundo ele, foi de 70% no teste realizado no Brasil.
Krieger diz estar “ansioso” para ver os dados de eficácia de outras vacinas, como a da Coronavac, que será produzida em conjunto com o Instituto Butantan, e chama a atenção para a qualidade dos dados sobre os imunizantes. O governador de São Paulo, João Doria, havia informado que os resultados da Coronavac seriam divulgados na quarta-feira (23/12), mas o anúncio foi adiado.
“Tudo o que eu falei está publicado no maior número de publicações científicas sobre uma vacina, revisada por pares, o que nos dá uma aproximação grande de que esses dados têm validade. As outras iniciativas não têm muito isso. Estamos vendo muita discussão de achados científicos sem o rigor científico. […] Esse cenário todo tem que ser visto com muito critério, para que a gente não destrua iniciativas boas e também não sobrevalorize resultados que não tenham densidade”, diz.
Segundo o acordo assinado entre Fiocruz e AstraZeneca/Oxford, as primeiras 100 milhões de doses serão produzidas a partir do princípio ativo importado para o país, que então será preparado, envasado e rotulado no Brasil. Durante o segundo semestre de 2021, a Fiocruz terá o controle total da tecnologia e passará a produzir também o princípio ativo. A meta, diz Krieger, é entregar 210 milhões de doses no ano que vem.
DW Brasil: Em que estágio estão os preparativos na Fiocruz para entregar a vacina de Oxford/AstraZeneca?
Marco Krieger: Temos uma área já preparada, com certificação da Anvisa e da OMS [Organização Mundial da Saúde]. As primeiras 100 milhões de doses serão feitas a partir do insumo farmacêutico enviado pela AstraZeneca. Vamos começar a receber o insumo em 9 de janeiro. Há um processo de preparação desse material, e iniciamos a produção em 20 de janeiro. Depois tem o controle de qualidade. Toda vacina que a gente produz tem que ficar 14 dias em testes de esterilidade. Então liberamos as primeiras doses na semana do dia 8 de fevereiro. Na primeira semana, vamos fazer um milhão de doses, na semana seguinte duplicamos e a partir da terceira semana produziremos 3,5 milhões de doses por semana.
Saiba mais em: https://www.dw.com/pt-br/corrida-pela-vacina-%C3%A9-maratona-n%C3%A3o-100-metros-rasos/a-56059612
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