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“Enquanto as redes falavam ‘blacklivesmatter’, perdemos outra criança negra para o racismo”

Morte do menino Miguel Silva, após negligência da patroa de sua mãe, revolta trabalhadoras domésticas. Advogada adverte que punição ultrasevera agora pode se voltar contra mães no futuro

Caê Vasconcelos

Em meio à pandemia mundial do coronavírus, Mirtes Renata Souza não pode fazer isolamento social. A empregada doméstica não foi dispensada por sua patroa, Sarí Gaspar Côrte Real. Nesta terça-feira, Mirtes precisou levar seu único filho, Miguel Otávio Santana da Silva, cinco anos, para o trabalho. Mas não voltou para casa com ele.

A pedido da patroa, Mirtes foi passear com os cachorros da casa e deixou Miguel aos cuidados de Sarí. Imagens de um vídeo do circuito interno do prédio luxuoso em São José, centro do Recife, capital pernambucana, mostram que, minutos depois, Miguel e Sarí conversaram no elevador.

A mulher, então, aperta um botão e a porta se fecha. O elevador para no 7º andar, mas Miguel só desce no 9º. Minutos depois, o menino escalou uma grade, na área dos aparelhos de ar-condicionado, que fica na ala comum do andar, fora do apartamento, e caiu. Sarí é esposa de Sérgio Hacker (PSB), prefeito de Tamandaré, litoral sul a 104,3 km de Recife.

Ela foi presa em flagrante, mas, ao pagar fiança de 20.000 reais, responderá em liberdade por homicídio culposo (quando não há intenção de matar), disse o delegado Ramon Teixeira, responsável pelo caso, em coletiva virtual de imprensa nesta quinta-feira.

O prédio de onde Miguel caiu é uma das “torres gêmeas”, encravadas em local de patrimônio histórico, entre diversas construções tombadas, e que foram levantadas debaixo de disputa judicial. Os dois espigões de alto luxo de 41 andares foram alvo de protesto e apagados do filme Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, que tinha como um de seus temas justamente a especulação imobiliária promovida pela elite.

A historiadora Larissa Ibúmi, mestranda em história social da diáspora centro-africana, usou seu Instagram para chamar a atenção do componente racista da trágica morte de Miguel. “A história desse país de herança escravista (e esta história) mostra que, para essa patroa branca, uma criança negra não vale mais que seus cachorros. Hoje eu novamente tenho dificuldade de respirar pensando na mãe de Miguel e em todas as mães de crianças pretas nesse país”, escreveu.

Em entrevista ao G1 de Pernambuco, Mirtes lamentou a morte do filho: “Ela [Sarí] confiava os filhos dela a mim e a minha mãe. No momento em que confiei meu filho a ela, infelizmente ela não teve paciência para cuidar, para tirar [do elevador]. Eu sei, eu não nego para ninguém: meu filho era uma criança um pouco teimosa, queria ser dono de si e tudo mais. Mas assim, é criança. Era criança”.

Saiba mais em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-05/enquanto-as-redes-falavam-blacklivesmatter-perdemos-outra-crianca-negra-para-o-racismo-enraizado.html

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