Clipping

A pandemia assola as periferias do mundo

Depois de debelada na China, e de castigar Europa e EUA, covid-19 cresce entre os 4 bilhões sem acesso à riqueza global. América Latina e África estão na trilha. E mais: os deputados que invadem hospitais

Por Maíra Mathias e Raquel Torres

MAIS PERTO DO TOPO

Entre quarta e quinta-feira, o Brasil registrou 1.473 mortes pelo novo coronavírus (mais um recorde), levando o total de óbitos a 34.021. O número de casos conhecidos subiu para 614.941. Com isso, o país superou a Itália em número absoluto de mortes e ocupa a terceira posição no ranking global. Em segundo lugar está o Reino Unido, que se aproxima dos 40 mil – e a não ser que aconteça algum descontrole rápido e repentino por lá, é uma questão de (pouco) tempo até que o Brasil chegue à segunda posição, abaixo dos Estados Unidos, que hoje têm 108 mil mortes.

O fato de o Brasilter ultrapassado a Itália é simbólico, já que do país europeu vieram algumas das cenas mais chocantes da pandemia. O ranking deve ser visto com ressalvas, é verdade. Afinal, a população brasileira é três vezes maior do que a italiana, que tem cerca de 60 milhões de habitantes. Além disso, as transmissões na Itália estiveram mais restritas à região da Lombardia, o que tornou a situação sanitária ainda mais insustentável lá.

Ainda assim, é importante olhar para trás e fazer comparações. Há cem dias, quando o Brasil tinha pouco menos de 300 casos e registrava sua primeira morte, a Itália era o país mais preocupante do mundo. Na China, então líder no número de óbitos, as coisas estavam sob controle. Mas a Itália tinha duas mil mortes (hoje parece pouco) e os números continuavam subindo rapidamente. Dias antes, o país havia decretado lockdown – primeiro na Lombardia, e logo em depois em todo o território nacional. Sabemos que leva tempo até que infectados manifestem sintomas; às vezes também demora para que os sintomas se agravem, e as internações podem ser muito longas. Então ainda demorou algumas semanas para que os primeiros resultados na diminuição do número de casos diários começassem a aparecer de forma consistente. E apenas em meados de maio, após dois meses de lockdown, o número mortes diárias caiu para menos de 100. Só nesse momento o país começou a flexibilizar as quarentenas.

Já no Brasil, temos situações como a de São Paulo, que tem o maior número de casos e mortes no país: com 44 milhões de habitantes, o estado tem 8,5 mil mortes acumuladas e mais de 200 novos óbitos por dia, mas  já começou a flexibilizar seu isolamento (que nunca foi lockdown). Apesar de São Paulo ser emblemático, há outras reaberturas perigosas e municípios onde nem decretos de lockdown conseguiram fazer os níveis de isolamento ficarem muito acima dos 50%. Esta semana, o Outra Saúde conversou com o epidemiologista Paulo Lotufo, professor da USP, para analisar as flexibilizações e entender por que mesmo os municípios brasileiros com os piores números da pandemia nunca tomaram medidas realmente duras contra o coronavírus. A entrevista saiu ontem à noite no podcast Tibungo e pode ser ouvida aqui.

Em tempo: uma das mortes mais tristes registradas ontem não foi por covid-19, embora se relacione diretamente à pandemia e a como ela afeta desigualmente a população. Foi a de Miguel, de cinco anos, filho da empregada doméstica Mirtes Souza. Ambos deveriam ter o direito de ficar em casa, isolados. Em vez disso Mirtes precisava limpar o apartamento luxuoso do prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker (PSB), e de sua esposa, Sari Corte Real, em Recife. Sem escola, o filho foi junto. Para levar os cães de Sari à rua, Mirtes deixou Miguel com a patroa, que deixou o menino sozinho no elevador; sua negligência matou Miguel, que caiu do nono andar. A mulher do prefeito não teve sua identidade divulgada pela Polícia Civil e foi liberada da prisão em flagrante após pagar fiança. “Se fosse eu, meu rosto estaria estampado, como já vi vários casos na TV. Meu nome estaria estampado e meu rosto estaria em todas as mídias”, comparou a mãe de Miguel, devastada.

UM PROBLEMA À PARTE

A divulgação dos dados pelo Ministério da Saúde está atrasando. Não é de hoje. Segundo a Folha, acontece desde a entrada do ministro interino (há 21 dias interino, por sinal), general Eduardo Pazuello. Mas, esta semana, a pasta se superou. Tanto na quarta-feira quanto ontem, a divulgação só aconteceu às dez da noite, com três horas de atraso – depois dos principais telejornais e também do fechamento dos jornais diários. A entrevista coletiva que aconteceu ontem no fim da tarde apresentou os números que saíram na noite de quarta-feira, 20 horas antes… Pois é.

Segundo a pasta, o atraso se deve a problemas técnicos e a demora é necessária para publicar dados confiáveis. Nesse caso, não está servindo: as secretarias de saúde divulgam cinco mil casos e 139 mortes a mais no mesmo período.

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/outrasaude/brasil-34mil-mortes/

Comente aqui