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Erich Fromm e a revolução da esperança

O pensador socialista alemão Erich Fromm desenvolveu uma poderosa crítica da cultura autoritária em resposta à ascensão do nazismo. A esquerda de hoje tem muito a aprender com essa crítica e com seu otimismo político diante de tempos sombrios.

Por Kieran Durkin / Tradução Mauro Costa Assis

O pensador socialista alemão Erich Fromm é uma figura injustamente negligenciada, principalmente quando comparado com seus antigos colegas da Escola de Frankfurt, como Max Horkheimer e Theodor Adorno. Em muitos aspectos, a análise de Fromm sobre a cultura autoritária oferece uma alternativa mais fundamentada em relação às influentes teorias de Horkheimer e Adorno. Também revela um engajamento nitidamente mais otimista e esperançoso com a questão da transformação social radical.

As pesquisas acadêmicas sobre a Escola de Frankfurt e a Teoria Crítica minimizaram as contribuições de Fromm, dando continuidade a uma tendência inaugurada pelo próprio Max Horkheimer após a saída de Fromm do Instituto de Frankfurt, em 1939. Isso nos deixou com uma imagem bastante unilateral da teoria crítica da Escola de Frankfurt, carente de uma descrição séria do pensamento de Fromm e sua crítica influente do autoritarismo.

A trajetória de Fromm nos mostra que uma crítica à cultura autoritária – uma crítica capaz de identificar as fortes tendências para a passividade e o reacionarismo na população em geral – pode manter seu impulso central, lado a lado com um pouco do otimismo da crítica marxista original do capitalismo, e sua orientação para a ação política no aqui e agora.

Primeiros anos

Fromm nasceu em 1900, em uma família judia ortodoxa de classe média em Frankfurt. Seu plano inicial ao deixar a escola era se tornar um estudioso do Talmude; em vez disso, seu pai o persuadiu a estudar direito na Universidade de Frankfurt, onde ele ficou menos de um ano antes de se transferir para a Universidade Ruprecht Karl de Heidelberg para estudar nationalökonomie (economia nacional).

Em Heidelberg, sob a tutela de Alfred Weber (irmão de Max Weber), Karl Jaspers, Hans Driesch e Heinz Rickert, Fromm frequentou aulas de História da Filosofia e Psicologia, Movimentos Sociais e Políticos e Teoria do Marxismo. Durante este período, Fromm continuou seus estudos do Talmude lado a lado com seu trabalho acadêmico – sob grande influência do socialismo romântico de seu professor de Talmude, Salman Rabinkov

Como Max Horkheimer, Fromm evitou o envolvimento direto na política socialista durante esses primeiros anos. Ele não era membro do Partido Social-Democrata Alemão (SPD) nem do Partido Comunista Alemão (KPD). O envolvimento mais forte de Fromm nessa época continuou sendo com seus estudos judaicos.

Ele ajudou a fundar um influente Instituto de Ensino Judaico (Freies Jüdisches Lehrhaus), no qual lecionou junto com personalidades como Franz Rosenzweig, Martin Buber, Gershom Scholem, Leo Baeck e Siegfried Kracauer. Em Heidelberg, juntamente de sua futura esposa, Frieda Fromm-Reichmann, ele também estabeleceu um sanatório voltado a um tratamento especificamente psicanalítico de pacientes judeus.

O interesse de Fromm pelo marxismo cresceu a partir de meados da década de 1920 – no período que Karl Korsch classificou de “crise do marxismo” – durante o qual estudou no Instituto Psicanalítico de Berlim. Fromm, que a essa altura já havia renunciado ao judaísmo, fazia parte de um grupo de jovens pensadores socialistas dissidentes, incluindo Wilhelm Reich e Otto Fenichel, que estavam preocupados em aplicar as idéias da psicanálise às questões sociais.

Esse grupo, como muitos outros na Alemanha da época, queria entender por que o socialismo até então não havia se materializado no país, embora tivesse uma grande classe trabalhadora e um movimento operário altamente organizado. Influenciados pela crítica ao “marxismo mecanicista”, inaugurada por Georg Lukács e Karl Korsch, eles tentaram identificar o que poderia ser chamado de barreiras “subjetivas” ao socialismo. Eles acreditavam que a psicanálise poderia desempenhar um papel particularmente importante para trazer à luz essas barreiras.

Ingressando na Escola de Frankfurt

Durante esse período, Fromm conheceu Max Horkheimer, que também estava interessado no potencial da psicanálise em dar sentido às falhas do socialismo. Horkheimer nessa época era afiliado ao famoso Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, fundado em 1923 por Felix Weil, filho de um rico empresário e ex-aluno de Karl Korsch.

Embora o Instituto inicialmente se parecesse com um centro marxista ortodoxo de estudos do trabalho, depois que Horkheimer se tornou seu diretor em 1930, seu foco mudou para a mistura interdisciplinar da filosofia com as ciências sociais empíricas e, particularmente, a mistura de preocupações sociológicas e psicanalíticas. Instigado por Horkheimer, Fromm recebeu um convite para ingressar no instituto, onde ele e Horkheimer seriam a força intelectual central nesses primeiros anos, sendo pioneiros na fusão da psicanálise com o marxismo muito antes de Theodor Adorno entrar em cena.

No instituto, Fromm se encarregou de um estudo empírico inovador sobre trabalhadores alemães, tanto manuais quanto de colarinho branco. A partir de um questionário detalhado distribuído a cerca de 3.300 trabalhadores, o estudo buscou analisar a relação entre a constituição psicológica dos trabalhadores e suas opiniões políticas. Como o questionário revelou, a maioria dos entrevistados se identificava com os slogans de esquerda de seu partido, mas seu radicalismo era consideravelmente mais fraco quando se tratava de questões mais sutis e aparentemente apolíticas.

Fromm concluiu que cerca de 10% dos participantes eram “autoritários”, cerca de 15% eram “democráticos / humanistas” e os 75% restantes estavam em algum lugar entre esses dois polos. Ele previu que os autoritários apoiariam um futuro movimento político fascista, enquanto os democratas / humanistas se levantariam e o enfrentariam. O problema era que o segmento democrático / humanista poderia não ser forte o suficiente para derrotar os 10% autoritários se aqueles no meio estivessem psicologicamente despreparados para resistir aos autoritários.

Embora o estudo em si não tenha sido publicado até a década de 1980, sob o título The Working Class in Weimar Germany (“A Classe Trabalhadora na Alemanha de Weimar”) – em parte devido ao colapso subsequente no relacionamento de Fromm com Horkheimer – ele claramente lançava uma luz considerável sobre o que aconteceria sob o regime nazista. Foi também um raro exemplo de pesquisa empírica sobre as vidas e atitudes da classe trabalhadora dentro da tradição da Escola de Frankfurt.

Fromm continuou representando uma parte importante do trabalho do instituto durante a maior parte da década de 1930. Ele foi o grande responsável pela transferência do instituto para os Estados Unidos em resposta à tomada do poder pelos nazistas, fazendo contato pessoal com acadêmicos da Universidade de Columbia, onde o instituto acabou se estabelecendo. Ele também foi fundamental para a pesquisa contínua do instituto sobre autoritarismo e desempenhou um papel central no Studien über Autorität und Familie (Estudos sobre Autoridade e Família) de 1936 – um relatório preliminar de mil páginas que ajudou a pavimentar o caminho para o o trabalho mais famoso do instituto, The Authoritarian Personality (“Estudos Sobre a Personalidade Autoritária“).

No entanto, a revisão de Fromm de Sigmund Freud durante este período começou a aliená-lo de Horkheimer. Fromm argumentava que o problema principal da psicologia era como os indivíduos se relacionam uns com os outros e com a sociedade ao seu redor – e não uma questão de estágios libidinais predeterminados (anal, oral, genital etc.), como seria o caso na teoria de Freud. A crescente relação intelectual entre Horkheimer e Adorno contribuiu ainda mais para esse sentimento de alienação. Fromm acabou deixando o instituto no final de 1939.

Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2020/09/erich-fromm-e-a-revolucao-da-esperanca/

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