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EUA: fundado na desigualdade, o país pode se tornar democrático e inclusivo?

Nosso problema atual nos Estados Unidos não é monolítico. 

Por George Yancy

Nosso problema atual nos Estados Unidos não é monolítico. Ele reside nas interseções de raça, classe, gênero, policiamento hegemônico e liderança fracassada. O termo inclusivo “sindemia” [ver nota] é o que captura com mais precisão o espírito do nosso tempo [zeitgeist].

É através da estrutura dessa agregação sinérgica de problemas que me envolvo em uma discussão produtiva com a ilustre acadêmica T. Denean Sharpley-Whiting, que é professora com distinção da cadeira Gertrude Conaway Vanderbilt de Estudos Afro-americanos e da Diáspora e Francês na Universidade de Vanderbilt, onde ela dirige o Centro de Pesquisa Callie House para o Estudo das Culturas e Política Negras Globais e preside o Departamento de Estudos Afro-Americanos.

Ela é autora/editora de 15 livros acadêmicos e três romances, incluindo “The Norton Anthology of Theory and Criticism”, “Bricktop’s Paris: African American Women Expatriates in Jazz-Age Paris” e “Pimps Up, Ho’s Down: Hip Hop’s Hold on Young Black Women”.

Nesta entrevista, Sharpley-Whiting, articulando parte de sua maneira de entender as relações raciais contemporâneas através das lentes do realismo racial, não hesita em encorajar nossa necessidade coletiva de fazer nossa parte na maximização dos ideais democráticos.

George Yancy: Eu lamentei a morte de Breonna Taylor, de 26 anos, que foi baleada oito vezes enquanto policiais brancos de Louisville cumpriam um mandado preventivo de busca. Como negros norte-americanos, continuamos a lamentar a morte negra. Como você imagina um pós-luto pela América negra? Há momentos em que parece que a vida negra nunca terá importância na América branca. Então, de que forma você diria que estamos presos em um mundo onde nossa humanidade é um lugar permanente de precariedade, onde nossa humanidade nunca terá importância?

Tracy Denean Sharpley-Whiting: Eu diria que nossa humanidade é muito importante – para nós e para nossos aliados. Não vejo a vida negra como um lugar de precariedade, mas como uma vítima, algumas vezes, da desumanidade branca. Não temos lutado, necessariamente, para que os brancos valorizem a vida negra, aceitem a humanidade negra ou amem os negros. Os negros, em sua maioria, valorizam a vida negra… O autointeresse é uma alavanca primária na mudança de comportamento – a anomalia é que os brancos pobres e da classe trabalhadora continuam a votar contra seu interesse próprio econômico por causa do racismo; eles gostam mais de ser brancos do que abominam a pobreza e o roubo de seus salários.

Com respeito ao policiamento, se você descartasse a imunidade qualificada – e é aqui que eu estranhamente concordo com o juiz Clarence Thomas – a aplicação da lei [poderia] agir de maneiras que fossem mais consoantes com sua função de segurança pública. Mas, enquanto os contribuintes estiverem presos, seus interesses econômicos não os obrigam a agir de maneira diferente.

George Yancy: De que forma “uma vítima, algumas vezes, da desumanidade branca” se enquadra com a ideia de que o racismo antinegro é uma realidade sistêmica constante e penetrante em todo o corpo político? O uso de “algumas vezes” deixa a magnitude e os atos cotidianos das agressões racistas livres, mesmo que eu saiba que você não está dizendo isso?

Tracy Denean Sharpley-Whiting: Usei “algumas vezes” como um qualificativo. Como uma estudiosa dos Estudos da Diáspora, penso no policiamento em suas formações globais. Por exemplo, no Brasil, um país que pesquiso sobre tráfico sexual/turismo e mulheres e meninas negras/mestiças, o policiamento é brutal e muitas vezes letal sem recurso. A polícia no terreno é amplamente negra.

George Yancy: A senadora Kamala Harris está na chapa democrata como vice-presidente. Isto é histórico! Alguma ideia do que isso significa simbolicamente ou de outra forma para os negros norte-americanos, e as mulheres negras em particular?

Tracy Denean Sharpley-Whiting: É histórico; e os símbolos, eu diria, são extremamente importantes como marcadores de quão longe chegamos, como guias e roteiros para outros seguirem. Eles inspiram e geram aspirações. Com a ascendência de Harris, simplesmente não se pode exagerar, do mesmo modo, a importância [das faculdades e universidades historicamente negras], bem como das irmandades negras em suas narrativas de elevação e resiliência.

Dito isso, por mais poderosos que sejam os símbolos, as ilusões de raça produzidas pela prática do racismo [racecraft] embutidas nos processos de governança continuarão a agir como um contrapeso sério ao progresso racial/de gênero. Em termos reais, a presidência de Obama foi importante como um símbolo, mas não se traduziu em maior riqueza e oportunidade para os negros norte-americanos em grande medida como na questão política.

Saiba mais em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/EUA-fundado-na-desigualdade-o-pais-pode-se-tornar-democratico-e-inclusivo-/6/49182

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