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“Falta de investimento na infância é uma tragédia no Brasil”

Após 30 anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, país falhou em tratar infância como política prioritária e em proteger menores da violência, avalia Mário Volpi, do Unicef e um dos idealizadores do ECA.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – uma das legislações mais avançadas do mundo para defesa e promoção dos direitos das crianças e adolescentes – completa 30 anos nesta segunda-feira (13/07), num dos países mais perigosos para a infância. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), 32 crianças e adolescentes são assassinados todos os dias no Brasil.

A alta exposição de menores à violência é uma das principais falhas de implementação do ECA, segundo um de seus idealizadores. Em entrevista à DW Brasil, Mário Volpi, gerente de projetos do Unicef, afirma que a falta de investimento no desenvolvimento de crianças e adolescentes brasileiros, sobretudo nas periferias, pode custar todo o trabalho já feito para garantir educação, acesso à saúde e assistência social no âmbito da infância.

“Precisamos de mais investimentos ou corremos o risco de perder todos os investimentos feitos nos últimos 30 anos”, diz Volpi, ressaltando que o ECA confere ao Estado e à sociedade a responsabilidade de garantir a proteção integral de crianças e adolescentes.

Para ele, um dos desafios se refere à normalização da morte de adolescentes e jovens, especialmente negros, nas periferias do país. “Há um discurso de que, se eles morreram, alguma coisa eles devem ter feito. […] Essa ideologia de culpar o excluído pela sua própria exclusão precisa ser superada.”

Em relação à atual crise sanitária do país, Volpi lembra que a epidemia de covid-19 “deixa crianças que vivem em situação de vulnerabilidade ainda mais expostas”. “O grande impacto da pandemia será sobre as crianças. Vemos crianças sem acesso à internet que não estão recebendo os conteúdos escolares, o que é uma situação grave”, observa.

DW Brasil: Em 1990, quando você esteve envolvido na criação do ECA, como imaginava que estaria a implementação do estatuto 30 anos depois?

Mário Volpi: Tínhamos três grandes expectativas: a redução da violência contra a criança, a criação de oportunidades de educação, saúde e proteção social para as crianças se desenvolverem, e o investimento dos governos na infância como uma política prioritária. A ideia era que nenhum país poderia ter um desenvolvimento sustentável se não investisse na infância.

A ampliação do acesso à escola e a redução da mortalidade infantil foram êxitos na implementação. Quando o ECA foi aprovado, mais de 20% das crianças estavam fora da escola; hoje, são 4,3%. A educação era obrigatória dos 7 aos 14 anos e, hoje, é obrigatória dos 4 aos 17 anos. Essa mudança na lei conferiu o direito à educação a muitas crianças.

O segundo sonho que a gente tinha, de ter mais acesso às políticas para a infância, de alguma forma se realizou. Hoje há muito mais crianças na escola, menos mortalidade infantil e muitos programas na área da saúde, como os centros de apoio psicossocial.

Mas o primeiro elemento com o qual a gente sonhava, que era a criança mais protegida contra a violência, ainda é um grande desafio. Ainda temos maus-tratos, abusos, exploração sexual e crimes relacionados ao mundo digital contra as crianças. Além disso, os investimentos na infância não foram como esperávamos. Ainda é preciso muito trabalho para que os governos e a sociedade priorizem os direitos da infância.

Pode-se falar em frustração em relação à implementação do ECA ou ainda é possível ter uma visão otimista?

Não é exatamente uma frustração, mas uma perda de oportunidade. O país deixou passar uma oportunidade grande de ter feito dessa geração que hoje está com 30 anos de idade uma geração plena no seu desenvolvimento. Essa poderia ser a geração dos direitos, que tem a escolaridade completa e condições de enfrentar o mundo do trabalho de igual para igual, mas, infelizmente, nós precisamos recuperar o tempo perdido no que tange a proteção contra a violência.

Mais de 10 mil adolescentes, especialmente adolescentes negros, são assassinados todos os anos. Isso ganhou uma característica de extermínio da população negra e jovem e muito pouco foi feito para enfrentar essa tragédia social. O Estado brasileiro precisa garantir o fim da impunidade dos responsáveis pelos assassinatos de adolescentes e jovens. São os casos menos investigados no país e, quando há investigações, elas não são concluídas. Poucos responsáveis por esses crimes foram punidos. Esses homicídios acontecem em territórios muito específicos. São os territórios da periferia, da exclusão social, da falta de políticas públicas. Não se trata de um fenômeno disseminado por todo o país e, portanto, difícil de enfrentar.

Além disso, existe uma incompreensão da sociedade, que não está muito interessada em saber o que acontece com esses adolescentes. Há um discurso de que, se eles morreram, alguma coisa eles devem ter feito. É um discurso muito cínico, porque a maioria desses jovens frequentava a escola, trabalhava e tinha relações familiares. Esse desconhecimento sobre esses jovens assassinados gerou uma certa acomodação da sociedade. Em 1991, quando houve uma CPI sobre extermínio de adolescentes no Brasil, falava-se de uma média de 4,2 assassinatos de jovens por dia no Brasil. Hoje são 32. 

Saiba mais em: https://www.dw.com/pt-br/falta-de-investimento-na-inf%C3%A2ncia-%C3%A9-uma-trag%C3%A9dia-no-brasil/a-54159041

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