Em entrevista ao EL PAÍS, o presidente do CEBRAP diz que demitir Moro é um bônus para Governo negociar com o centrão. Para ele, momento é de baixar as armas na política e parar de culpar os demais
FELIPE BETIM
No meio da pandemia de coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro forçou o afastamento de dois de seus principais ministros. O primeiro a sair foi Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), da Saúde. E, na última sexta-feira, Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública. A demissão do popular ex-juiz, principal estrela da Operação Lava Jato e responsável pela condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por corrupção, elevou ainda mais uma crise política forjada por Bolsonaro, que aposta por radicalizar ainda mais sua retórica ao mesmo tempo que boicota os esforços por garantir o isolamento social. Está o Brasil caminhando para mais um impeachment ou para outra ditadura?
Para o filósofo Marcos Nobre, professor da UNICAMP e presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), Bolsonaro está se refugiando em sua base mais radical de eleitores enquanto negocia com o centrão no Parlamento para conseguir mais tempo. Porém, acredita que é uma questão de tempo para que seja destituído do cargo. “Bolsonaro vai para a lona e sabe disso”, explica em entrevista ao EL PAÍS. Ele opina que a popularidade de Bolsonaro se reduzirá a seu eleitorado mais radical, mas destaca que isso por si só não garante uma maioria social pelo afastamento. Para que isso aconteça, insiste que as principais forças políticas devem negociar e repactuar as regras de convivência democrática. “Caso contrário, vamos continuar produzindo Bolsonaros. Não adianta só tirar o cara”.
Pergunta. Após a eleição de Bolsonaro, você chegou a dizer ao EL PAÍS que seu governo era feito de feudos. Um deles era o de Sergio Moro, que agora deixa o cargo atirando forte contra o presidente. O que representa a implosão desse feudo para a base bolsonarista?
Resposta. O fato de Bolsonaro demitir Moro é tão importante quanto o fato de fazer isso agora. Essa demissão tem várias funções. Temos hoje um número de mortes por causa do coronavírus que é padrão Espanha. E não estamos discutindo o nível de desespero para o qual estamos indo, porque estamos o dia inteiro discutindo a crise política. Portanto, existe um elemento diversionista importante. Outro aspecto importante é que Bolsonaro se deu conta de que a pandemia vai atingir o governo dele. Ele tem até agora cerca de um terço do eleitorado, segundo as pesquisas, e sabe que não vai conseguir manter essa fatia. Então, decide fazer um movimento de recuo para se proteger em seu núcleo de apoio fanático. Segundo o Datafolha, representa cerca de 12% do eleitorado. Seu raciocínio é o de que vai ter crise econômica e vão vir com impeachment para cima dele, então é melhor garantir uma base de apoio mínima. Parte desse eleitorado que ele vai perder está com Moro. O ex-ministro era símbolo de uma expansão da base bolsonarista de 12% para 30% do eleitorado. Mas, a partir do momento que Bolsonaro se recolhe para os 12% iniciais, ele escolhe fazer um governo de guerra. E, num governo de guerra, você não pode ter uma pessoa que é maior que você. Isso explica tirar Mandetta e também explica tirar Moro. Ele vai se livrando de todas essas pessoas.
P. As pesquisas ainda mostram Bolsonaro com ao menos um terço do eleitorado. Quanto tempo para que haja uma queda?
R. Temos dificuldade de comparar as últimas pesquisas. Como estão sendo feitas de maneira remota, não temos condição de fazer uma boa comparação. Mas a tendência é ir ladeira abaixo e, em questão de meses, ser reduzido a esse núcleo duro. Rápido em política são dois meses. E esse tempo tem que ser aproveitado pelas forças políticas para conversar. Esse é o ponto que acho essencial. Estamos no isolamento e existe uma dificuldade de comunicação, de negociação política, enorme. Bolsonaro está contando com esse tempo e essa dificuldade para ver se negocia com o centrão.
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