Gestão desastrosa da pandemia e antagonismo com parceiros aceleraram isolamento do país, em processo celebrado pelo governo como conquista. Hoje, nenhuma nação da estatura do Brasil tem reputação tão ruim no mundo.
Em outubro, o ministro Ernesto Araújo disse que, se a atual política externa do Brasil “faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”.
A fala de Araújo escancarou pelo segundo ano consecutivo o isolamento do país no cenário internacional, e que o quadro não vem ocorrendo por acidente, mas aparentemente como um projeto voluntário do governo Bolsonaro.
Em 2019, a diplomacia brasileira já havia se tornado uma “caixinha de surpresas” propensa a alimentar crises regulares, com desprezo ao multilateralismo e instituições internacionais.
Em 2020, em vez de reverter esse “novo curso” que só empurrou o país para um isolamento nunca visto desde a redemocratização, o governo trilhou o mesmo caminho, dobrando a aposta em cada crise e erodindo ainda mais o soft power acumulado pelo país nas últimas décadas.
O Brasil continuou a se distanciar dos seus vizinhos latino-americanos; foi na contramão de boa parte do mundo na gestão da pandemia de covid-19; fez apostas fracassadas como a manutenção de uma pretensa relação especial com Donald Trump; se viu excluído de debates onde o país costumava ter voz ativa, como a questão do meio ambiente; e reforçou uma política de hostilidade a grandes parceiros comerciais, como a União Europeia e a China.
“Nenhum país da estatura do Brasil tem reputação tão ruim”, diagnosticou o diplomata Rubens Ricupero em abril. “A imagem positiva acabou”, apontou Friedrich Prot von Kunow, presidente da Sociedade Brasil-Alemanha (DBG) e que foi embaixador no Brasil entre 2004 e 2009.
Mas a diplomacia da maior economia da América Latina já demonstrou não ligar para esses diagnósticos. “Esse pária aqui, esse Brasil, essa política do povo brasileiro, tem conseguido resultados”, completou Araújo no seu discurso em outubro.
Entre os “resultados” da diplomacia bolsonarista estão: a continuidade da perda de apoio para o acordo entre Mercosul e União Europeia mesmo entre países europeus mais simpáticos ao pacto, como a Alemanha; e até a perspectiva da imposição de sanções internacionais ao país por causa da sua gestão relapsa do desmatamento.
Bolsonaro e Ernesto Araújo. Juntos, os dois colocaram o Brasil numa posição de isolamento nunca vista desde a redemocratização
Se em 2019 algumas das ações da diplomacia bolsonarista ainda provocavam alguma reação de setores do governo, temorosos de possíveis consequências econômicas, como as alas militar e do agronegócio, o mesmo não foi observado de 2020.
Araújo continuou a ter mão livre no Itamaraty para implementar sua agenda “antiglobalista” na máquina diplomática brasileira, endossando ataques de um dos filhos do presidente à China e transformando o ministério num palco de palestras para blogueiros propagadores de fake news.
A imagem do país como vilão ambiental continuou a se firmar no exterior, graças à persistência do desmatamento e a péssima repercussão de falas e ações do ministro Ricardo Salles, que reforçaram a pressão na Europa pelo boicote a produtos brasileiros.
Se houve alguma reação para frear a nova diplomacia bolsonarista, ela veio do Congresso brasileiro. Em dezembro, em uma derrota estrondosa para o Itamaraty bolsonarista, um embaixador indicado por Araújo para um posto em Genebra foi rejeitado pelo Senado por 37 votos a 0. Foi apenas a terceira rejeição do tipo na história da Casa. Apenas governos enfraquecidos como a segunda administração Dilma Rousseff (2015) e Jânio Quadros (1961) haviam sofrido derrotas similares em indicações para postos diplomáticos.
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