Clipping

O ouro assombra os Tiriyó, na Amazônia intocada

No extremo norte do Pará, próximo ao Suriname, onde só se chega de avião, explode a mineração ilegal. Invasores chegam armados, com quadriciclos e motosserras. Militares, que fingem defender fronteiras brasileiras, fazem vista grossa

Por Fernanda Wenzel

Um território isolado no extremo norte do Brasil, onde há uma base do Exército e só é possível chegar de avião fretado. Mesmo ali, na terra indígena Tumucumaque, no Pará, o garimpo já é uma ameaça. A área de mineração ilegal, que explora ouro, foi descoberta há algumas semanas no Suriname e está levando pânico a uma comunidade acostumada a acompanhar à distância o avanço dos crimes ambientais em outras partes do Brasil.

“A gente acreditava que não chegaria aqui e estamos vendo que está chegando e que está afetando os parentes tanto aqui do Brasil quando do Suriname. Estão fazendo garimpo, e a gente acredita que é ilegal, porque o rio está sujo e o pessoal está armado, estão se escondendo e agora eles têm trazido quadriciclos e motosserras”, me disse Mitore Cristiana Tiriyó Kaxuyana. Ela mora na missão Tiriyó, maior aldeia da terra indígena, com 3 milhões de hectares ocupados por cerca de 1.700 pessoas das etnias tiriyó, katxuyana e txikyana.

Apesar de estar no país vizinho, o garimpo fica muito próximo da fronteira e em uma área central das comunidades. Das 34 aldeias, instaladas às margens dos rios Paru de Oeste e Marapi, 23 estão em um raio de até 40 km da mina. Para piorar, os garimpeiros estão invadindo o território brasileiro com frequência para caçar, de acordo com os indígenas.

Mapa-Tumucumaque
Registros de garimpo foram feitos em reserva do Suriname vizinha a Tumucumaque, no Pará. Mapa: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil; Dados: Iepé

O relato consta em uma carta do Conselho de Caciques e Lideranças Indígenas Tiriyó, Kaxuyana e Txikuyana, com data de 1° de outubro. No documento, foram anexadas imagens aéreas registradas por indígenas do Suriname no dia 30 de setembro. As fotos mostram o acampamento dos garimpeiros ao lado de uma pista de pouso. Também é possível ver o leito do rio que está sendo explorado, manchado com uma cor escura.

As aldeias mais próximas, a apenas 8 km da mina, são Turunkane e Mesepituru, onde vivem cerca de dez famílias. Segundo o cacique de Mesepituru, Zaqueu Tiriyó, aviões sobrevoam com frequência a região. “De sua aldeia dá até para ver a iluminação durante a noite. Viram estruturas de barracas, motores, roçadeiras, água, no acampamento montado próximo à pista de pouso”, o conselho registrou na carta.

leito-rio
Foto anexada à carta de conselho de caciques mostra rio com mancha típica de garimpo. Foto: Conselho de Caciques e Lideranças Indígenas Tiriyó, Kaxuyana e Txikuyana

Na terça-feira, dia 6, a Organização Indígena de Suriname, a OIS, acompanhou uma comitiva do governo surinamês ao local. Segundo a OIS, dois homens foram presos e levados à capital Paramaribo para prestarem depoimento. A comitiva ficou pouco mais de uma hora no local e não encontrou evidências da atividade garimpeira. Já o Exército brasileiro afirma que foi ao local e não encontrou invasores, enquanto a Funai não respondeu à reportagem.

Mas, para Rodrigo Cambará, servidor do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMBio, com experiência no combate a garimpos na Amazônia, não resta dúvida de que alguém está extraindo minério no local. “Essa cor de água do rio é típica de garimpo aluvial, aquele em que o ouro está misturado na área, na areia da beira do rio”, garante Cambará, que já coordenou uma das unidades de conservação mais problemáticas do país, a Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará.

Para ele, o maquinário deve estar escondido em algum ponto mais acima do rio, e as prisões não significam que o problema está resolvido. “Esses caras não dão ponto sem nó. Muitas vezes a gente chega nestes locais e só tem duas ou três pessoas, os outros fugiram. Esses dois ou três ficam ali para que a gente pense que a operação teve sucesso e largue de mão”.

Para Mitore Kaxuyana, o maior receio é a contaminação da água das aldeias pelo mercúrio. “Esse rio chega no nosso território e pode contaminar o rio Paru do Oeste, infectando os nossos parentes que estão mais ao sul”, me disse. O rio que aparece nas fotos é o Mamia, que nasce na montanha de mesmo nome, segundo Aventino Nakai Kaxuyana Tiriyó, presidente da Associação dos Povos Indígenas Tiriyó, Kaxuyana e Txikuyana. “Essa é a montanha que eles estão explorando e fica bem na fronteira dos dois países. Com certeza depois que terminar o ouro do lado de lá, eles vão querer explorar o lado de cá”, disse.

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/o-ouro-assombra-os-tiriyo-na-amazonia-intocada/

Comente aqui