Enquanto o continente é soterrado pelo lixo, a indústria do plástico segue crescendo
Sharon Lerner
ROSEMARY NYAMBURA PASSA os fins de semana coletando plástico com sua tia Miriam no lixão de Dandora, em Nairóbi, capital do Quênia. O trabalho é exaustivo e toma tempo, pois as garrafas de plástico que elas vendem para outros comerciantes de resíduos são encontradas em meio a seringas, cacos de vidro, fezes, capas de celulares, controles remotos, solas de calçados, bugigangas, brinquedos, bolsas, embalagens, sacolas e uma quantidade incontável de películas plásticas. Mas Rosemary, de 11 anos, acredita que o esforço vale a pena. A maior parte de seus seis primos – com os quais ela vive desde que sua mãe faleceu – abandonou o ensino médio porque a tia dela não tinha condições de pagar a mensalidade escolar. Se Rosemary concluir a escola e cursar a faculdade de medicina, ela promete voltar a Dandora. “Vejo como as pessoas ficam muito doentes aqui”, disse a menina num sábado recente, enquanto escalava um monte de lixo com odor rançoso. “Se eu me tornar médica, inclusive ajudaria elas de graça.”
Com o valor que recebe em troca das coletas, vai demorar até Rosemary ter o suficiente para bancar seus estudos. Qualquer coisa que valha o mínimo que seja é disputada no lixão de Dandora, que se espalha por uma área de mais de 12 hectares na região leste da capital queniana. Grupos de empresários locais controlam quem negocia e coleta materiais no lixão, além de cobrarem tarifas para o acesso a certos locais. Pássaros, vacas e cabras já demarcaram suas áreas de alimentação. E os catadores por vezes brigam entre si pelos melhores achados. Sobras de comida de avião podem gerar disputas acirradas. Quem ganha devora completamente cada pedaço de pãozinho velho e seco, carne congelada e massa passada do ponto. O conteúdo dos potinhos de manteiga também é consumido. Em seguida, as embalagens plásticas são jogadas em enormes pilhas de resíduos.
Às margens do lixão, atravessadores compram garrafas PET – material que Miriam coleta sete dias por semana, recebendo menos de cinco centavos de dólar por quilo. O valor é maior do que o obtido em troca de embalagens de papelão, mas muito menor do que a quantia paga por latas. Para encontrar um quilo de garrafas plásticas, é necessário procurar por horas ou mesmo dias. E as bolsas que acomodam o material, chamadas de diblas, são muito grandes e pesadas para serem carregadas por crianças.
A entidade local Dandora HipHop City encontrou uma forma de ajudar crianças que vivem perto do lixão e não têm resistência física ou tempo para catar e carregar um quilo de lixo. A organização trabalha para que elas consigam obter algo em troca de poucas garrafas ou pedaços de plástico. No “banco” criado pela entidade, um espaço modesto a uma quadra do aterro, é possível trocar lixo por pontos, que podem ser usados para a aquisição de óleo de cozinha, farinha, vegetais e outros itens essenciais. Fundada por um artista do hip hop que cresceu na região, a organização também desenvolve um programa voltado a jovens. Em um prédio que fica junto ao lixão, ornado com pintura manual e sucatas utilizadas como cadeiras e sofás, a organização oferece um espaço para escrita, práticas musicais em computadores velhos, jogos ou para simplesmente passar o tempo.
Mas as quantias irrisórias que o grupo obtém em troca do plástico coletado não cobre o custo dos alimentos oferecidos pelo banco. Diante disso, a entidade tem usado doações de empregados e amigos para bancar suas atividades. A Dandora HipHop City buscou apoio junto à Coca-Cola, que parecia o parceiro empresarial perfeito. De um lado, avaliada em mais de 200 bilhões de dólares, a gigante do setor de bebidas vê a África como “um dos principais motores de crescimento para que a empresa avance”, conforme declaração recente do CEO James Quincey. De outro, as crianças de Dandora, que sofrem de fome, negligência e diversos problemas de saúde relacionados ao lixão e coletam muitas garrafas da empresa – por vezes, catando o material quando deveriam estar na escola.
Saiba mais em: https://theintercept.com/2020/06/11/africa-soterrada-lixo-industria-plastico/
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