Conversamos com a militante Beatriz Caminha, vereadora mais jovem eleita em Belém. Ela conta como a aliança entre PSOL e PT fez a esquerda derrotar o bolsonarismo nas urnas e voltar ao poder após 16 anos na capital do Pará.
Uma entrevista com Beatriz Caminha
OPartido dos Trabalhadores (PT) governou Belém, no Pará, entre 1997 e 2004. Desde então, a esquerda belenense sofreu inúmeras derrotas para as elites locais. Nas eleições de 2018, por exemplo, Jair Bolsonaro foi eleito com mais de 50% dos votos na cidade. Em meio a um cenário de profunda desolação política, Belém vê florescer um novo momento de radicalização social, após a vitória nas urnas de uma jovem vereadora que não se furta de criticar a própria esquerda e, se lança, sem medo, em direção ao futuro.
Para entender melhor qual direção aponta esse processo de radicalização, o professor e militante Victor Marques, colaborador de Jacobin Brasil, conversou com a vereadora eleita Beatriz Caminha (PT). Aos 21 anos, com atuação militante no movimento estudantil e no movimento negro, Beatriz foi eleita como a vereadora mais bem votada de seu partido em Belém nesta eleição. Para Beatriz, outro futuro é possível.
VM
Como foi o seu processo de politização? Como se formou a “Bia militante”?
BC
Na verdade, já nasci numa família petista. Meu pai fez parte da fundação do PT, da construção da CUT, então cresci desde muito cedo no meio da militância. Mas comecei a participar mais ativamente a partir de 2013, quando o país polarizou e fui buscar entender o que estava de fato acontecendo. Aí comecei a estudar política.
Nessa época eu tinha entre 13 e 14 anos e passei a acompanhar mais conscientemente os processos, ir a palestras e debates. A primeira manifestação que fui, digamos assim, por conta própria, foi um ato “Fora Cunha” que teve por aqui Tinha ido, claro, a muitas outras manifestações, por conta da minha família, mas para a gente era um rolê da família. Essa foi a primeira vez que eu quis ir por mim mesmo, compreendendo claramente o que eu estava fazendo ali. Foi depois disso que comecei a me organizar para participar de mobilizações e construções coletivas.
Então, quando fiz 18 anos, me filiei ao PT – exatamente no meu aniversário. Na época, a juventude do PT estava muito desorganizada em Belém, e já não haviam mais tantos movimentos sociais conectados diretamente ao partido. Minha filiação ao PT veio logo depois que entrei na universidade. Entrei com 17 anos, pouco depois já estava fazendo parte do Centro Acadêmico. Ajudei a organizar, com o coletivo do qual faço parte, a juventude do PT em Belém, especialmente no movimento estudantil. O resultado foi que ganhamos o DCE da universidade.
No meio disso também comecei a estudar sobre feminismo negro, outro pilar para minha formação política, para o entendimento que tenho hoje de política. Então acho que a “Bia militante” se forma muito a partir do momento histórico que a gente estava vivendo, que me puxou para realidade, assim como a partir da leitura também. Sempre gostei de estudar e ler, desde muito nova, então eu fui lendo, lendo, lendo, lendo… Foi o estudo somado à conjuntura política do nosso tempo que me levou à política, à organização – e, por fim, à eleição de vereadora. Não cheguei sozinha. Cheguei ao lado de muita gente e de vários processos de formação política que se organizam pela cidade. Foram essas organizações, esses movimentos, que conseguiram eleger uma jovem vereadora negra para a câmara de Belém.
VM
Qual é o significado de 2013 para esse novo período político que a gente está vivendo?
BC
Acredito que 2013 foi quando a gente começou a se incomodar. Quer dizer, eu, pelo menos, comecei a me incomodar. Na nossa avaliação, é o início do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, a primeira presidenta da história do Brasil, para quem eu tinha feito campanha. É também o momento em que as pessoas começam a ir para as ruas em massa, aquele movimento todo de manifestações tomando o país. Eu também sentia vontade de ir, embora não entendesse direito o que estava acontecendo – foi aí que meus pais, muito petistas, falaram para mim: “senta aqui”, e começaram a me dar coisas para ler, para tentar entender, chegar a uma avaliação mais complexa do processo.
Então, sim, foi um marco. Um marco na história do país, da nossa cidade, um marco que disparou grandes movimentações políticas, que acabou levando ao golpe, mas que despertou grandes transformações na minha vida também. Porque foi um momento que eu comecei a entender a política e a ver que existia uma outra política, maior – uma política além da institucionalidade. A política da institucionalidade era toda a política que eu estava acostumada a ver dentro do PT até então. Desde a minha infância, nos anos 2000, até esse período, a política que eu via do PT sempre tinha sido mais a política da institucionalidade, mas quando 2013 estourou, a política tomou repentinamente uma outra forma, que é a política da rua, da luta de massas.
A gente precisava estar organizado naquele momento – e acredito que não estávamos – para enfrentar essa outra realidade. Mas a partir daí começamos também a nos organizar mais, na política de rua, no enfrentamento, e acho que avançamos muito desde então. Um avanço que também foi fruto desse novo momento no qual entrou o país.
VM
E o resultado também é que você foi eleita a vereadora mais jovem de Belém. Como foi esse processo de construção da candidatura e da campanha eleitoral.
BC
Fizemos uma campanha com muita alegria, construída por gente muito jovem, a maioria ligados ao movimento estudantil da Universidade Federal do Pará (UFPA). Até umas semanas atrás, eu era coordenadora geral do DCE da UFPA, e a gente vinha de um processo de organização do movimento estudantil, do movimento de rua, da cultura do hip-hop, das bibliotecas comunitárias e um pouco de movimento comunitário de bairro também. Acredito que todo mundo que participou da coordenação da campanha deve ter até 25 anos (com exceção do meu pai, que ajudou também). Tivemos alguma resistência dentro do próprio partido, e acabamos fazendo uma campanha quase sem dinheiro – das candidaturas do PT, uma das que menos gastou dinheiro na eleição – e foi a mais bem votada.
Não sei se faltou sensibilidade do partido para perceber o significado da nossa candidatura, ou se não queriam mesmo incentivar. A campanha foi muito bem nas redes sociais, mas também com uma presença de rua, e alguma base territorial que a gente já vinha organizando. Tem gente que me diz: “foi a maior surpresa sua eleição!”, mas a verdade é que a gente está fazendo movimento há algum tempo, conversando com as pessoas, construindo coletivamente, presentes nas lutas. O sucesso eleitoral foi o resultado de tudo isso.
Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2020/11/sem-medo-do-futuro/
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