Gerhard Dilger critica o acordo entre Mercosul e União Europeia. Ele desta pontos que considera prejudiciais aos países latino-americanos
Sob o lema de uma “Europa Global”, a Comissão Europeia busca, desde 2006, tornar “suas” empresas mais competitivas e impor a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai uma política comercial neoliberal. Com o Acordo de Associação entre o Mercosul e a União Europeia, a recolonização do Brasil ganha impulso. Mas esse acordo, anunciado exatamente um ano atrás, por Jair Bolsonaro, Mauricio Macri, Emmanuel Macron e Angela Merkel, não favorece as maiorias de ambos os lados do Atlântico. Caso seja assinado e ratificado, representaria sobretudo uma vitória das corporações transnacionais e de sua lógica de lucro.
Na divisão internacional do trabalho, a América Latina desempenha fundamentalmente o papel de fornecedora de matérias-primas. Após as tentativas de emancipação da região nos primeiros anos do século XXI, parece que a ideia agora é voltar a atar os nossos países a esse papel de forma permanente. No melhor dos casos, os que se beneficiam aqui da redução gradual de barreiras alfandegárias são o agronegócio e o setor de importações — pequenas e pequenos agricultores, trabalhadores e povos indígenas pagariam pela consolidação do sistema com uma maior vulnerabilidade de seus direitos e destruição dos seus modos de vida. O desenvolvimento da produção nacional ficaria mais difícil do que nunca.
É provável que a liberalização do comércio prevista intensifique o declínio salarial e o corte de empregos. A Comissão Europeia anunciou que as empresas do continente economizariam 4 bilhões de euros por ano em impostos. Além disso, elas esperam ter novas oportunidades de negócio no setor das telecomunicações e da tecnologia da informação.
Será que as autopeças vão ser enviadas igualmente de barco para o outro lado do mundo? Eventualmente, junto com uma expansão ecologicamente nefasta do comércio mundial, a União Europeia insiste em uma proteção de patentes mais rigorosa, o que impediria que os consumidores sul-americanos pudessem ter acesso a medicamentos genéricos, por exemplo.
Em relação às compras governamentais, que servem frequentemente para fortalecer os produtores locais, os negociadores do tratado esperam que as empresas da União Europeia possam competir em igualdade de condições. No entanto, não estão previstas sanções pela corresponsabilidade no que se refere a crimes ambientais ou violações de direitos humanos.
Com os governos de direita no Brasil, no Paraguai e no Uruguai, a União Europeia tem meio caminho andado. É escandaloso que Jair Bolsonaro e seus aliados militares sejam parceiros estratégicos de uma Europa que se considera democrática. O presidente argentino Alberto Fernández defende uma posição soberana, mas precisa do apoio político dos europeus nas negociações da dívida.
“Tratado vampiro” é a denominação alcunhada por Susan George, da Associação pela Tributação das Transações Financeiras para Ajuda aos Cidadãos (Attac), para esse e outros tratados de “livre-comércio”. São acordos que, se expostos à luz, morrem, já que dificilmente resistem ao debate democrático. Essa é uma das razões pelas quais os detalhes do acordo entre a União Europeia e o Mercosul são revelados a conta-gotas. Se a União Europeia quer demonstrar que é digna do Prêmio Nobel da Paz recebido em 2012, deve dar adeus ao espírito neoimperial que também caracteriza esse tratado.
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