Estudo publicado na revista ‘Science’ por grupo de pesquisadores do Brasil, Alemanha e EUA identificou os produtores brasileiros responsáveis pela “soja contaminada”
Heloísa Mendonça
Um estudo publicado nesta quinta-feira, 16, pela revista científica Science revela que, atualmente, 20% da soja brasileira produzida na Amazônia e no Cerrado exportada anualmente para a União Europeia (UE) podem ter saído de áreas de desmatamento ilegal. Para expor as “maçãs podres” do agronegócio, pesquisadores do Brasil, Alemanha e Estados Unidos desenvolveram um software de alta potência ―utilizando dados públicos e mapas― para analisar 815.00 propriedades rurais dos dois biomas e identificar as áreas de desmatamento ilegal recente associadas à produção de soja e carne bovina.
Os números revelados pelo levantamento corroboram com os dados do desmatamento crescente na Amazônia, que atingiu em junho deste ano a maior destruição registrada em cinco anos, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A publicação do estudo coincide com um momento de forte cobrança de investidores estrangeiros por ação mais efetiva do Governo de Jair Bolsonaro contra a destruição da floresta. Alguns países europeus já sugeriram que a União Europeia suspenda a compra de carnes e soja do Brasil e até mesmo não leve adiante o acordo comercial entre o Mercosul e o bloco europeu caso o país não tome providências para proteger a floresta amazônica. No ano passado, diversos líderes europeus criticaram o Governo brasileiro, durante os incêndios florestais de agosto de 2019, e convocaram boicotes aos produtos do país.
“É fundamental que a Europa use seu poder comercial e de compra para reverter esse trágico desmantelamento da proteção ambiental no Brasil e seus impactos no clima do planeta, nas populações locais e nos valiosos serviços ecossistêmicos que o país fornece”, afirma Britaldo Soares-Filho da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coautor do artigo. Ele defende que, com a pesquisa, os legisladores em Bruxelas poderão avaliar melhor a dimensão do problema da produção brasileira de soja e carne.
Os pesquisadores também apontaram que cerca de 45% das propriedades rurais da Amazônia não têm o mínimo de reserva legal exigida pelo Código Florestal ou não respeitaram as regras de conservação de Área de Preservação Permanente. No Cerrado, cerca de 48% das propriedades não respeitam essas regras.
A intenção dos pesquisadores é transferir a tecnologia do software, que cruzadados de satélite sobre a perda de floresta, com informações de registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR), para que o Brasil desenvolva um sistema melhor para rastrear o desmatamento ilegal em propriedades agrícolas. “Já não se pode dizer que não há uma solução para monitorar essas atividades. E parte dela está no fato do desmatamento ser muito concentrado. Cerca de 2% dos imóveis concentram mais de 60% do desmatamento do Cerrado e da Amazônia. Então você pode concentrar a fiscalização nessas áreas”, afirma ao EL PAÍS Raoni Rajão, professor da UFMG e autor principal do estudo ‘As maçãs podres do agronegócio brasileiro’.
Na avaliação do pesquisador, a operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) com as Forças Armadas na Amazônia― autorizada de maio a novembro ― para evitar queimadas e tentar conter o desmatamento tem um potencial de diminuir a destruição, mas é um instrumento que só funcionará caso o ministério do meio ambiente também se comprometa com o combate às ilegalidades. “Se não tiver um ministro do meio ambiente comprometido e uma mudança na situação do Ibama, que atualmente só perde fiscais, nada vai mudar. Vários analistas ambientais experientes que estavam em posições técnicas de comando estão sendo substituídos por diretores sem experiência. Isso tudo gera caos e consequentemente aumento do desmatamento”, afirma. O Governo também tem afrouxado uma série de medidas de proteção ambiental destinadas a combater o desmatamento ilegal em unidades de conservação e terras indígenas, leais guardiões das florestas nacionais.
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