Erik Olin Wright considera o capítulo 3, intitulado “Variedades de anticapitalismo”, o pilar central do livro “Como ser anticapitalista no século XXI?” (Boitempo, 2019).
Por Fernando Nogueira da Costa
A maioria das mudanças sociais subitamente revolucionárias, ocorridas ao longo da história da humanidade, pegou as pessoas de surpresa. Provocaram mortes e foram contra os pares de valores socialistas: igualdade / justiça, democracia / liberdade e comunidade / solidariedade. Tiveram consequências indesejáveis de ações humanas.
Porém, é possível montar uma “estratégia” em prol da mudança social desejada a ser atingida por efeito cumulativo de ações deliberadas e intencionais. Existem metas visando a transformação social, onde há estratégia para efetivá-las se forem viáveis.
Há conservadores céticos insistindo sempre ser impossível uma estratégia coerente, visando uma transformação emancipatória de algo tão complexo quanto um sistema social. Friedrich Hayek atacava o socialismo por desvirtuar o sistema de preços relativos. Ironizava os intelectuais com crença fantasiosa de ser possível uma alternativa ao sistema social existente e fazer ela acontecer por meio de ações políticas deliberadas.
Sacava do arsenal da retórica da intransigência duas teses reacionárias. A Tese da Futilidade afirma todas as tentativas de transformação social serão infrutíferas, porque, simplesmente, não conseguirão “deixar uma marca”. A Tese da Perversidade adverte: qualquer ação proposital para melhorar determinado aspecto da ordem econômica, social ou política só serve para exacerbar a situação desejada ser remediada.
De acordo com Hayek, então, a resposta para a questão leninista “O que fazer?”, no sentido de criar uma alternativa democrática e igualitária ao capitalismo, é: “Nada”.
A leitura do livro de Erik Wright permite uma compreensão sobre estratégias anticapitalistas. Evita tanto o falso otimismo do pensamento sempre positivo, quanto o desanimador pessimismo optante pela omissão, dada uma transformação emancipatória da sociedade ser considerada inatingível.
Historicamente falando, Erik comenta cinco “lógicas estratégicas” de especial importância nas lutas anticapitalistas: destruição do capitalismo, desmantelamento do capitalismo, domesticação do capitalismo, resistência ao capitalismo e fuga do capitalismo. Embora, na prática, elas se entrecruzem, cada uma constitui uma forma distinta de responder aos males do capitalismo.
Permite uma compreensão sobre como essas lógicas podem ser combinadas de uma forma específica, chamada de erosão do capitalismo. Wright oferece assim uma visão estratégica plausível para transcender o capitalismo no século XXI.
“Destruindo o capitalismo” é a clássica lógica estratégica dos revolucionários. Afirma todos os esforços para tornar a vida minimamente tolerável no interior do capitalismo estarem fadados ao fracasso.
Em última instância, é ilusório achar ser possível o capitalismo se converter em uma ordem social benigna, na qual as pessoas comuns possam ter vidas plenas e repletas de significado, apenas com pequenas reformas. O capitalismo é irreformável. Logo, a única esperança reside em destruí-lo e, a partir daí, construir uma alternativa. A condição necessária para essa transição é a ruptura decisiva com o sistema de poder existente.
O poder das classes dominantes é capaz de transformar as reformas graduais em ilusões. Acaba por bloquear a meta revolucionária de ruptura com o sistema.
O capitalismo é um sistema profundamente contraditório, propenso a crises e distúrbios. Algumas dessas crises atingem uma intensidade tal de modo a fragilizar todo o sistema, tornando-se vulnerável à mudança.
Por suas “leis de movimento”, no longo prazo, o capitalismo se tornaria insustentável. Ele destruiria suas próprias condições de existência. Periodicamente, haveria intensas crises econômicas do capitalismo. Nessas crises, o sistema se tornaria vulnerável, as rupturas seriam possíveis e a classe dominante seria derrubada.
O partido revolucionário precisaria estar em uma posição capaz de aproveitar a oportunidade criada pelas crises sistêmicas e liderar manifestações massivas para tomar o poder do Estado, seja por meio de eleições, seja por meio de insurreições capazes de derrubarem o regime. A partir do controle do Estado, a primeira tarefa passaria a ser usar o seu poder para reprimir a oposição das antigas classes dominantes e seus aliados, destruindo as estruturas centrais de poder do capitalismo e construindo instituições necessárias para o desenvolvimento de longo prazo de outro sistema econômico.
O marxismo revolucionário dava coragem a quem compartilhava da crença de estar do lado certo da história. O resultado de tomadas revolucionárias do poder, porém, não foi a criação de uma alternativa emancipatória, igualitária e democrática ao capitalismo.
As revoluções demonstraram ser possível construir um “socialismo realmente existente”, distante do utópico, embora capaz de melhorar as condições materiais de vida da maioria da população por um certo período. Porém, não produziram o tipo de novo mundo de emancipação humana, desejado pelas ideologias revolucionárias.
O fracasso é inevitável diante de qualquer tentativa de ruptura radical em um sistema social. Há muitos interesses, muita complexidade, muitas consequências não desejadas.
Sendo assim, qualquer tentativa de ruptura sistêmica irá inevitavelmente gerar um imenso caos. Afastando-se das condições iniciais, as elites revolucionárias se desvirtuam na nomenclatura e são compelidas a recorrer à violência e à repressão generalizada para garantir seu poder e alguma ordem social. Acabam destruindo a possibilidade de construção de nova sociedade por meio de processos democráticos e participativos.
A tragédia das revoluções do século XX mostra a ruptura sistêmica não ser uma estratégia válida para a emancipação social. Isso não significa rejeitar a ideia de uma alternativa emancipatória para o capitalismo. Erik questiona a plausibilidade da estratégia visando destruir, de forma brusca, a dominação capitalista.
Há três lógicas da transformação social: as transformações disruptivas (descontinuidades nas estruturas sociais), as transformações simbióticas (mudança de regras de um sistema social) e as transformações intersticiais. Essas são resultantes dos efeitos cumulativos dos movimentos feitos dentro das regras do jogo.
Saiba mais em:https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Variedades-de-Anticapitalismo-no-Seculo-XXI/4/49363
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