Em seu novo livro, o economista imagina um futuro transformado pelo Covid-19 e apresenta uma visão ousada do socialismo democrático
Por Yanis Varoufakis
Quando Margaret Thatcher cunhou a “Tina” – de sua máxima dos anos 1980, There Is No Alternative (“Não há alternativa”) – fiquei furioso porque, no fundo, senti que ela tinha razão: a esquerda não tinha uma alternativa nem plausível nem desejável ao capitalismo.
A esquerda é ótima em apontar os males do capitalismo. Falamos de forma poética sobre a possibilidade de um “outro” mundo, em que cada um contribuiria segundo suas capacidades e receberia de acordo com suas necessidades. Mas, quando pressionados a descrever uma alternativa madura ao capitalismo contemporâneo, por décadas temos oscilado entre a feia (um socialismo de quartel, semelhante ao soviético) e a esgotada (uma socialdemocracia inviabilizada pela globalização financista).
Durante a década de 1980, participei de muitos debates em pubs, universidades e câmaras municipais cujo objetivo declarado era organizar a resistência ao thatcherismo. Lembro-me de pensar baixinho toda vez que ouvia Maggie falar: “Ah se tivéssemos um líder como ela!”. É claro que eu não tinha ilusões: o programa de Thatcher era despótico, antissocial e um beco sem saída econômico. Mas, ao contrário do nosso campo, ela entendeu que vivíamos um momento revolucionário. O armistício da luta de classes do pós-guerra havia acabado. Se quiséssemos defender os desfavorecidos, não podíamos ficar na defensiva. Precisávamos defender nossas causas com a mesma firmeza com que ela defendia as suas: abaixo o sistema antigo, aqui está o novo. Não aquele novo sistema distópico de Maggie, mas ainda assim novo.
Infelizmente, nosso campo não conseguiu vislumbrar um novo sistema. Estávamos ocupados fazendo curativos em cadáveres enquanto Thatcher abria covas para dar espaço a seu novo capitalismo vigarista. Mesmo quando travávamos uma luta esplêndida em defesa de comunidades que mereciam ser defendidas, nossas causas tinham o selo do anacronismo – da luta para preservar as sujas usinas de carvão ou pelo direito de sindicalistas de direita de fechar acordos sórdidos, a portas fechadas, com tipos como Robert Maxwell e Rupert Murdoch.
Assim como quando a União Soviética entrou em colapso, em 1991, nós da esquerda – socialdemocratas, keynesianos e marxistas – tínhamos a sensação de que viveríamos o resto de nossos dias como os perdedores da história, em 2008, com o colapso do Lehman Brothers, aqueles que viviam a ideologia do neoliberalismo viram a história entrar em erupção com uma força de destruição semelhante. Alguns anos depois, o capitalismo de vigilância também obrigou os evangelistas da tecnologia, que pensavam ver na internet uma força democrática global irresistível, a abandonar suas ilusões.
Dois anos atrás, decidi que precisávamos de um plano, de um projeto de como o socialismo democrático pudesse funcionar hoje, com as tecnologias atuais e apesar de nossas falhas humanas. Minha relutância em me lançar em tal tarefa era imensa. Duas pessoas me ajudaram a superá-la. Uma foi Danae Stratou, minha companheira. Desde que nos conhecemos, ela diz que minha crítica ao capitalismo não significa nada se eu for capaz de responder à pergunta: “Qual é a alternativa? E como exatamente as coisas – dinheiro, empresas e moradia – funcionariam?”.
A segunda, e mais improvável, influência foi de Paschal Donohoe, ministro das finanças da Irlanda e presidente do Eurogrupo. Opositor político sem grande apreço por mim como ministro das finanças (uma avaliação mútua), ele teve a gentileza de escrever uma crítica generosa de um livro anterior meu. Embora Donohoe tenha gostado do meu relato sobre o capitalismo, ele achou o fim do livro, onde tentei esboçar algumas características de uma sociedade pós-capitalista, “muito decepcionante”.
Acho que ele estava certo. Então decidi escrever Another Now (Outro Agora).
Numa tentativa de incorporar ao meu projeto socialista diferentes perspectivas, e muitas vezes conflitantes, decidi conjurar três personagens complexos cujos diálogos narrariam a história – cada um representando diferentes partes do meu pensamento: uma marxista-feminista, uma ex-banqueira libertária e um especialista em tecnologia rebelde. Suas divergências a respeito de “nosso” capitalismo formam o pano de fundo contra o qual meu projeto socialista é projetado – e avaliado.
Saiba mais em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Yanis-Varoufakis-o-capitalismo-nao-esta-funcionando-eis-aqui-uma-alternativa/4/48734
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