O desequilíbrio é o mais extremo em cem anos. Precisamos consertar esse problema estrutural antes que seja tarde
Por Robert Reich / Créditos da foto: (Carlo Allegri/Reuters)
Legisladores e a mídia estão prestando muita atenção para o quão rápido a economia dos EUA vai emergir da recessão provocada pela pandemia, e não o suficiente para os problemas estruturais mais profundos da nação – o enorme desequilíbrio de riqueza que pode enfraquecer a economia por anos.
70% da economia dos EUA depende de gastos de consumidores. Mas pessoas ricas, que agora detêm o maior poder econômico desde os anos 20, gastam baixas porcentagens de suas rendas. Pessoas de renda mais baixa, que estavam endividadas mesmo antes da pandemia, gastam o que tiverem – o que se tornou muito pouco.
Em um sentido prático, então, a economia dos EUA depende do gasto da maioria dos estadunidenses que não tem muito para gastar. E isso significa problema à frente.
Não é simplesmente uma questão de um “estímulo” inadequado. Os cheques de 2.000 dólares inseridos no Plano de Resgate Americano já foram distribuídos e os seguros-desempregos extras vão logo perder a validade. Os gastos dos consumidores serão estimulados enquanto os empregadores adicionarem às suas folhas de pagamento. Os planos de gastos de Biden, se aprovados, também ajudarão a manter os consumidores sobrevivendo por um tempo.
Mas o desequilíbrio basilar permanecerá. Os salários da maioria das pessoas ainda serão baixos demais e boa parte dos ganhos econômicos continuará se acumulando no topo, para que a demanda total dos consumidores seja adequada.
Anos atrás, Marriner Eccles, presidente do Federal Reserve de 1934 até 1948, explicou que a Grande Depressão ocorreu porque o poder de compra dos estadunidenses caiu bem menos do que a economia podia produzir. Ele culpou a crescente concentração de riqueza no topo. Nas palavras dele:
Uma bomba de sucção gigante havia em 1929-30 atraído para algumas mãos uma porção crescente de riqueza produzida. Como em um jogo de pôquer no qual as fichas eram concentradas em menos e menos mãos, os outros poderiam continuar no jogo somente por meio de empréstimos. Quando seu crédito acabava, o jogo parava.
A riqueza dos anos 20 não sabia o que fazer com todo aquele dinheiro, enquanto a maioria dos estadunidenses somente conseguia manter seu padrão de vida por meio de endividamentos. Quando a bolha de dívidas estourou, a economia implodiu.
A história está se repetindo. Salários estadunidenses típicos quase não aumentaram por décadas, ajustados de acordo com a inflação. A maior parte dos ganhos econômicos foi para o topo, assim como a “bomba de sucção gigante” de Eccles levou uma porção crescente da riqueza da nação para poucas mãos antes da Grande Depressão.
O resultado foi: gastos dos consumidores financiados por empréstimos, criando uma fragilidade crônica. Após as bolhas financeira e de moradia estourarem em 2008, nós evitamos outra Grande Depressão somente porque o governo injetou dinheiro suficiente no sistema para manter a demanda, e o Federal Reserve manteve a taxa de juros próxima do zero.
O desequilíbrio é o mais extremo em cem anos. Tem tanta riqueza no topo que os preços de artigos de luxo de todos os tipos estão subindo; os chamados “bens infungíveis”, que vão desde arte e música até tacos e papel higiênico, estão sendo vendidos como tulipas holandesas exóticas do século 17; criptomoedas subiram; e os valores do mercado de ações continuaram a subir mesmo com a pandemia.
As corporações não sabem o que fazer com todo o seu dinheiro. Trilhões de dólares estão parados em seus balanços. As maiores empresas têm se banqueteado com a seguridade social corporativa do Federal Reserve, ao passo que o banco central obedientemente detém títulos corporativos que as empresas emitiram antes da recessão para financiar a recompra de ações.
Mas a maior parte das pessoas possui poucos ou nenhum bem. Mesmo em 2018, quando a economia parecia estar forte, 40% dos estadunidenses tinham rendimentos negativos e estavam pegando emprestado dinheiro para pagar necessidades básicas de casa.
O coração do desequilíbrio são os ricos estadunidenses e as corporações que eles possuem detêm grande poder de barganha – tanto poder de mercado na forma de monopólios, quanto poder político na forma de lobistas e contribuições para campanhas.
Por contraste, a maior parte dos trabalhadores possui pouco ou nenhum poder de barganha – nem dentro de suas empresas por causa do quase desaparecimento dos sindicatos, nem na política porque os partidos políticos passaram de grandes organizações por filiação para máquinas de arrecadação.
Os programas de “estímulo” de Biden são bons, mas temporários. A reforma econômica mais importante seria corrigir esse desequilíbrio estrutural por meio da redução do poder dos monopólios, fortalecendo sindicatos, e desvinculando o dinheiro e a política.
Até que o desequilíbrio estrutural seja remediado, a economia dos EUA permanecerá perigosamente frágil. Também será vulnerável para o próximo demagogo que exibir raiva e rancor como substitutos para a verdadeira reforma.
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