Clipping

A geração que pagará a conta da crise na América Latina

Os jovens de 15 a 24 anos estão sofrendo “de maneira desproporcional” os golpes econômicos da pandemia, mas não abrem mão da ideia de um futuro mais consciente sobre a mudança climática, as desigualdades sociais e o movimento feminista

Georgina Zerega |Breiller Pires |José Pablo Criales |Rocío Montes

pandemia deu uma pausa na rotina de milhões de jovens no mundo. Levou-os a reconsiderar suas prioridades, suas formas de vida, seus objetivos. Eles deixaram de imaginar um futuro inclusivo e cheio de oportunidades para se reinventar num presente intimidante. Ninguém sabe qual será o custo real da crise provocada pela paralisação da covid-19, mas as previsões indicam que os jovens de 18 a 25 anos ficarão com a pior parte. E a América Latina será uma das regiões que pagarão mais caro. Ante a perspectiva de um futuro embargado, a Geração Z no continente se aferra à ideia de construir uma nova normalidade mais consciente sobre questões como a mudança climática, a desigualdade social e o movimento feminista. Mas seus integrantes sabem que será difícil: a economia está agora na base de suas preocupações.

Terminar a faculdade, encontrar um trabalho adequado, talvez inclusive abrir seu próprio empreendimento, tornar-se independente, sair da casa dos pais. Fernández Soto enumera uma lista mental que reconfigurou nas últimas semanas ante a pergunta sobre o que espera do futuro. “Meu principal medo é que, por minha culpa ou por uma pandemia, eu acabe morando em casa para sempre”, reconhece. As antigas promessas de progresso em troca de esforço —ter acesso à casa própria após muitos anos de trabalho, fazer uma carreira universitária para garantir um bom futuro, por exemplo— já haviam começado a se desintegrar para a Geração X (os nascidos entre 1965 e 1979, em média) e a Geração Y (os célebres millennials, nascidos entre 1980 e 1995). Com pouca experiência de trabalho e sem economias, os centennials (nascidos entre 1996 e 2010) seguem o caminho de seus antecessores e vêm essas perspectivas se distanciando cada vez mais. O medo de Fernández Soto de não poder se tornar independente tem sua origem nas histórias da maioria de seus amigos, que se viram obrigados a voltar a morar com os pais após perder seus empregos nos últimos meses. “Não importa o que façamos, isso fica no nosso subconsciente como um retrocesso”, diz.

Como Fernández Soto e seus amigos, pelo menos um em cada seis jovens perdeu o emprego durante a pandemia, segundo o último relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Aqueles que têm entre 15 e 24 anos foram atingidos “de maneira desproporcional”, com um dano ainda mais profundo para as mulheres. Antes da pandemia, países como Brasil, Uruguai e Argentina tinham taxas de desemprego juvenil próximas de 30%, números muito superiores à média regional (19%). “A crise está afetando os jovens com maior gravidade e rapidez que qualquer outro grupo. Se não tomarmos medidas imediatas, o legado do vírus poderia nos acompanhar durante décadas”, advertiu o diretor geral da OIT, Guy Ryder.

Na América Latina, essa previsão é como jogar terra sobre o que já estava enterrado. “É uma geração que tinha poucas expectativas para o futuro”, afirma Pedro Núñez, pesquisador da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO) na Argentina. Núñez estuda a juventude há anos, e aponta a instabilidade como o fator-chave para entender os centennials. “Os vínculos são mais instáveis, o trabalho mais precário, as trajetórias educativas mais intermitentes, e tudo isso se aprofunda com a pandemia.”

“Quando poderemos respirar de novo?”

Georgia Rhote, de 25 anos, gostava de imaginar onde estaria dentro de cinco ou 10 anos. Nascida em Maracaibo (Venezuela), ela estudou Direito e se mudou para Buenos Aires em 2018 para fazer um estágio. Seu futuro já era incerto antes da pandemia, explica, por ser migrante. Mas agora os caminhos possíveis começam a desaparecer. “Uma das grandes consequências disso é não poder traçar sua vida”, afirma. Em seu caso, o desafio é maior por ela ser “mulher, jovem e racializada”, diz, como se estivesse descrevendo uma corrida de obstáculos. “Se já era difícil para os jovens conseguir trabalho, tudo isso vai impossibilitar muito mais. Vão pedir que você tenha 30 anos de experiência, mas 25 de idade”, brinca.

A estudante de psicologia Thais da Costa Oliveira, 21, teve os planos frustrados com o avanço da pandemia no Brasil. No Rio, onde mora, a jovem viu as aulas da faculdade, os planos de casamento e seu empreendimento serem paralisados. Abriu uma papelaria em fevereiro, e o negócio nunca teve tempo de decolar. “Decidi começar num momento muito ruim”, afirma. À medida que os casos do país aumentavam, também crescia sua preocupação. “Estou angustiada porque não sei quando tudo isso vai terminar, quando poderemos respirar de novo.”

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