No país com maior população camponesa do mundo, 300 mil acampam e lutam, há dois meses, nos arredores da capital. Governo de ultradireita quer agricultura baseada em lucro e grandes corporações. Eles dizem que outro projeto é possível
Por Stella Paul | Tradução: Simone Paz
“Esta estrada agora é minha casa e decidirá o meu futuro”, disse Sukhvinder Singh, agricultor de 27 anos do distrito de Moga, em Punjab, à IPS News. Em novembro passado, semanas depois de o governo da Índia aprovar três projetos de lei agrícolas que ele considera anticamponsesas, Singh viajou para Singhu, uma vila perto de Delhi, para exigir que as leis fossem revogadas. Desde então, ele mora em uma tenda que divide com outros cinco agricultores manifestantes.
Na noite de domingo, a temperatura caiu para 7°C, mas a voz de Singh soava quente e forte, como se enganasse o frio. “Fazer isto é como passar mais uma noite no campo, protegendo minhas plantações de trigo”, explica.
Atualmente, há cerca de 300 mil agricultores protestando em Singhu, agora transformada em uma cidade de tendas.
Apesar de mobilizados por 32 grupos diferentes, os agricultores estão unidos em sua demanda — uma revogação total das três novas leis:
- a Lei de Comércio (Promoção e Facilitação) de Produtos Agrícolas;
- o Acordo dos Agricultores (Capacitação e Proteção) sobre a Garantia de Preços e Lei de Serviços Agrícolas, e
- a Lei de Produtos Essenciais (Emenda)
Nos protestos, explosão do acúmulo de raiva
A manifestação dos camponeses dos arredores de Nova Delhi, começou em 26 de novembro, mas este é um movimento que vem acontecendo há anos.
De acordo com especialistas em alimentos e agricultura, os preços incertos e erráticos, a falta de acesso ao mercado, os baixos retornos, as perdas recorrentes e as dívidas fazem parte da vida de qualquer agricultor médio em qualquer canto do país, incluindo o estado indiano do Punjab, há muito tempo.
Enquanto uma parcela dos especialistas acredita que o Estado deveria assumir a responsabilidade pelo bem-estar dos agricultores e compensá-los por suas perdas, a outra parcela crê que o governo deve apenas abraçar e promover uma política de livre mercado com intervenções e regulamentações mínimas sobre o mercado agrícola.
Até agora, as intervenções do Estado incluem: Preços Mínimos de Apoio (MSPs, na sigla em inglês) — um sistema em que os Estados anunciam esses MSPs para 22 safras antes da época de semeadura. Isso também inclui a aquisição de grãos e leguminosas de agricultores pelo governo, com o fim de administrar a distribuição de alimentos subsidiados aos pobres (sistema PDS); a regulamentação do comércio no atacado com os agricultores; o controle dos estoques com os comerciantes; e o controle das exportações e importações.
As novas políticas agrícolas alinharam-se com os defensores de políticas de livre mercado e adotaram o caminho oposto ao que desejavam os agricultores: aplicação estrita dos MSPs e uma maior intervenção do governo nas compras e no comércio no atacado.
“Os agricultores indianos protestam há muitos anos, mas o país foi incapaz de perceber e lhes dar atenção. Nos últimos anos, produtores de leite derramaram baldes de leite nas ruas e produtores de vegetais esmagarem seus produtos frescos com máquinas agrícolas — tudo como forma de protesto contra os preços voláteis e erráticos que os fazem sofrer perdas, explica Kavitha Kuruganti, uma conhecida ativista da Aliança por Agricultura Sustentável e Holística — ou ASHA, em inglês. “Mas, todas as vezes, o protesto terminava apenas com alguma garantia verbal do governo ou um pedaço de papel prometendo que suas queixas seriam examinadas”, diz Kuruganti.
O que os agricultores querem e o que é oferecido
Na Índia, a compra de produtos dos agricultores no atacado é regulamentada pela Lei do Comitê de Comércio de Produtos Agrícolas (APMC) de 2003. De acordo com a política, as transações no atacado entre agricultores e comerciantes devem ocorrer em um mandi — um pátio de mercado específico. A venda dos produtos sob o escrutínio público trazia um nível de proteção contra fraude em pesos, medidas e preços. Existem centenas de mandis em todo o país, que são governados por um corpo eleito pela autoridade do APMC.
No entanto, com o tempo, esses mercados se tornaram centros de corrupção generalizada, onde um pequeno grupo de agentes de vendas assumiu o controle e influenciou os funcionários da APMC — graças ao seu poder econômico e ligações com os principais partidos políticos. Incapazes de enfrentar esses ditadores de preços, os agricultores não tiveram outra opção a não ser jogar junto e arcar com as perdas.
O governo reconhece que ocorreu uma cartelização e, como solução, está permitindo o surgimento de canais como locais de mercado administrados de forma privada, que podem competir pela produção do agricultor contra os mandis do APMC.
Além disso, os agricultores poderão vender diretamente aos consumidores. Grandes compradores, como empresas que atuam no processamento de alimentos, no varejo em grande escala ou com exportações, também poderão contornar os mercados de atacado e comprar diretamente dos agricultores.
Essas ideias foram uma recomendação da Comissão Swaminathan — um comitê de especialistas encarregado pelo governo, em 2004, de encontrar soluções para os problemas enfrentados pelos agricultores.
No entanto, a Comissão Swaminathan também recomendou MSPs (Preços Mínimos de Apoio) mais altos e regulamentações de proteção aos agricultores, ao assinarem acordos com grandes comerciantes privados. Mas as novas leis não incluem nenhuma dessas recomendações.
Os agricultores temem que, quando os MSPs não forem mais obrigatórios, serão forçados a aceitar qualquer preço oferecido pelas grandes empresas. Os produtores de alimentos também argumentam que não podem nem mesmo transportar seus produtos para o pátio de mercado mais próximo sem sofrer perdas. E questionam como podem alcançar mercados distantes, para lá vender.
Saiba mais em:https://outraspalavras.net/movimentoserebeldias/a-grande-batalha-india-contra-o-agronegocio/
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