Recém-lançado, “O Que Vai Ter Para Comer?” aborda temas difíceis como desmatamento, desperdício e fome – de forma lúdica.
Por: Edison Veiga | Créditos da foto: Sean Gallup/Getty Images. Obra relata como escolhas do que vai no prato têm a ver com a saúde da pessoa e o equilíbrio do planeta
Com o perdão do trocadilho, o livro O Que Vai Ter Para Comer? O que você coloca no seu prato pode mudar o planeta (Editora Panda Books), lançado nesta semana, nasceu da famosa junção da fome com a vontade de comer. No caso, uma coincidência: em 2019, sem combinar e em datas diferentes, as duas autoras visitaram e se impressionaram com a exposição temporária Pratodomundo, no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.
Pouco tempo depois, ambas haviam rascunhado projetos de um livro para abordar o universo da alimentação para crianças e adolescentes. E uma procurou a outra para comentar a ideia. Conhecidas de longa data, a chef de cozinha Ariela Doctors, diretora do Instituto Comida e Cultura, e a escritora e diretora audiovisual Maísa Zakzuk arregaçaram as mangas e decidiram escrever a obra a quatro mãos.
Doctors conta que a sua preocupação foi mostrar para as crianças que as escolhas do que vai no prato “têm muito a ver com todo o resto”, não apenas com a saúde de cada um, mas também com a saúde “do entorno, do próprio planeta”.
O livro envereda por temas bastante complexos — e, no mundo contemporâneo, geralmente permeado por perspectivas futuras sombrias. São abordadas questões como desperdício de comida, desmatamento, fome no Brasil e no mundo e como a tragédia climática tende a tornar o cenário ainda pior. “Não queremos transmitir tristeza, mas sim a empolgação para poder agir neste momento, enquanto se é criança e enquanto há muita coisa para fazer no planeta”, salienta Zakzuk.
DW: O Que Vai Ter Para Comer? aborda temas complexos, porém necessários. Como foi trazer esses assuntos para crianças?
Ariela Doctors: É desafiante falar para criança sobre segurança alimentar, desperdício, impacto das escolhas alimentares… Mas ao mesmo tempo pode ser um estímulo para que elas entendam como se dão as conexões no mundo, como todas as relações estão imbricadas umas às outras e como nossas escolhas alimentares, que se dão ao menos três vezes ao dia para quem pode, têm muito a ver com todo o resto, não só com a saudabilidade interna do próprio indivíduo mas também com a saudabilidade do entorno, do próprio planeta. É um desafio mas, ao mesmo tempo, pode ser um estímulo para um mundo mais justo e mais possível para a humanidade.
No atual contexto de volta do Brasil ao Mapa da Fome, torna-se mais necessário falar sobre esse assunto?
Ariela Doctors: Sim, o retorno da fome no Brasil mostra que a gente voltou no tempo. A gente precisa de uma conversa intersetorial bastante intensa para que se consiga bons resultados e entendo que quanto mais jovem o cidadão consiga entender todas as questões que estão ligadas ao alimento e à própria fome, mais fácil a gente vai poder ter uma transformação real na sociedade. Criar bons hábitos é muito mais fácil do que transformar hábitos, então, principalmente na alimentação, acho que isso é muito sério. E para fazer com que essas gerações tenham mais consciência das escolhas alimentares a gente precisa fazer com que elas tenham o entendimento, desde a primeira infância, sobre a importância e os impactos das nossas escolhas. É preciso fazer a ligação do cotidiano com a natureza. Foi o rompimento da humanidade com a natureza que provocou esse lugar de distopia, e a gente precisa reconectar.
Maísa Zakzuk: A gente trata muito a questão “do que vamos ter para comer”. Que a produção precisa aumentar… Mas a que preço? Quais os impactos que isso pode ter para a população como um todo? A fome está dentro desse contexto todo, porque mesmo a gente tendo uma grande produção, temos o problema das pessoas passando fome, um problema social e ambiental. […] A gente traz muitos outros conceitos a partir do tema que é a fome: o desperdício, a desnutrição, a má nutrição, e por aí vai.
São temas intrinsecamente tristes… Como abordá-los de forma leve para o universo infantil, sem perder a seriedade?
Maísa Zakzuk:: Tentamos passar a ideia de “olha, quanta coisa você tem para escolher” e “como a gente ainda pode fazer isso”. O livro não é sobre como o planeta está devastado ou “isto está na sua mão”, para não ter o efeito contrário. A criança tem de ficar, depois da leitura, apaixonada pelo tema, encantada em poder transformar aquilo que ela tem na mão, ainda mais em um país diverso como o nosso. Não é uma sentença de morte ao planeta. Estamos dizendo que está acontecendo isto aqui, mas a mudança “começa por você” e estamos todos interligados ao mundo. Isso é importante porque talvez a criança não saiba que se ela jogar uma coisa no lixo haverá um impacto na natureza, que aquilo que ela coloca no prato pode ter impacto no desmatamento. Não queremos transmitir tristeza, mas sim a empolgação para poder agir neste momento, enquanto se é criança e enquanto há muita coisa para fazer no planeta.
Ariela Doctors: Falar para crianças que estamos em um momento terrível da humanidade, no qual, se não nos conscientizarmos e dermos vários passos atrás podemos fazer com que a humanidade suma do planeta é um tema muito pesado. Tem de se tomar muito cuidado com a maneira como isso é colocado, porque não adianta a gente falar que está tudo muito ruim e agora a responsabilidade é delas por uma coisa que elas nem fizeram. Isso poderia deixar as crianças com fobia. [Optamos por] primeiro fazer com que elas se mantenham apaixonadas pela natureza, porque a criança nasce naturalmente encantada como mundo natural, isso faz parte de qualquer animal, isso de se encantar pelo mundo. A criança precisa continuar encantada com a natureza para depois entender qual é a luta que a espera no mundo adulto.
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