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A histórica entrevista de Félix Guattari com Luiz Inácio Lula da Silva

Em 30 de abril de 1930 nascia o psicanalista, filósofo e militante francês Félix Guattari. Buscando articular teoria e prática, Guattari se encontra com Lula em 1982 para entender as origens do partido-movimento que unia camponeses, sindicalistas, professores e intelectuais e tentava reinventar a esquerda na última década da Guerra Fria.

Uma entrevista com Luiz Inácio Lula da Silva

Ofilósofo, psicanalista, roteirista e militante revolucionário francês, Félix Guattari, nasceu em 30 de abril de 1930. Desde muito jovem soube conciliar seu trabalho de filósofo autodidata e escritor com a prática clínica e o ativismo político. Foi um dos fundadores dos campos da esquizoanálise e ecosofia, uma filosofia caracterizada por girar em torno de três dimensões da ecologia: ambiental, social e subjetiva. Mas se tornou conhecido internacionalmente através da sua obra com o filósofo francês, Gilles Deleuze, em O Anti-Édipo (1972) e Mil platôs (1980), que formam a coleção Capitalismo e esquizofrenia.

Guattari participou ativamente nas discussões do Partido Comunista Francês (PCF) na primeira metade dos anos 50. Depois, seguiu a militância fora do partido entre 1958 e 1964, participando da organização La Voie Commnunista, que publicava um jornal com o mesmo nome e, desde 1965, na “Oposição de Esquerda”. Em maio de 1968, se engajou ativamente nas manifestações que eclodiram na França  junto com os usuários da Clínica Le Borde. E mais tarde, participou dos levantes promovidos na Itália pelo operaismo italiano, ajudando a fundar e difundir as rádios livres e o ambientalismo ativista. 

O jornal francês Le Monde chamava Guattari de franco-atirador, por suas intervenções em várias áreas do conhecimento e da política. Mas franco-atirador não é um termo adequado para qualificar a sua atuação, pois o franco-atirador quer agir sozinho, enquanto Guattari deseja o ponto de contato plural, de movimento sociais, buscando respostas alternativas em diferentes níveis, que não pedem licença aos poderosos do dia para começarem, já, a procura de “uma nova terra”.

Na busca de uma militância mais autêntica que unia teoria e prática, Guattari vem ao Brasil em 1982 conhecer Lula, o jovem metalúrgico que comandava as greves do ABC, chamando a atenção de toda esquerda mundial por colocar de joelhos a ditadura que já durava 18 anos no poder. Deste encontro, feito junto com a filósofa Suely Rolnik, surgiu uma belíssima, e atual, entrevista que se debate o nascimento do PT, sua relação com a Igreja católica, com o movimento sindical polonês Solidariedade, a Guerra das Malvinas e o neo-imperialismo na última década da Guerra Fria.

Guattari morre 10 anos depois, em 1992, na Clínica Le Borde. Em sua lápide está escrito um epitáfio que é um verso de ninguém mais, ninguém menos que Drummond de Andrade: Il n’y a pas de manque dans l’absence. L’absence est une présence en moi – não há falta na ausência, a ausência é um estar em mim.


FG

Na França, hoje, não sabemos direito o que acontece no Brasil, toda essa efervescência de ideias, de vontades de mudança que, por ocasião das próximas eleições do mês de novembro, irão provavelmente aprofundar a ditadura a que vocês estão submetidos há 18 anos. Nós conhecemos teu nome, nós sabemos da existência do Partido dos Trabalhadores (PT), mas nem suspeitamos da importância que este partido está tomando. A última vez que vim ao Brasil, há três anos, os militantes sindicais de esquerda ainda estavam submetidos a uma dura repressão.

LI

Na medida em que os candidatos serão impedidos de ir à televisão e também em consequência deste novo tipo de cédula eleitoral, adotado ontem, onde a sigla do partido não aparecerá, e onde o eleitor deverá inscrever o nome completo do candidato que escolheu, o que complicará muito a tarefa, parece-nos que o verdadeiro objetivo do governo é descaracterizar o sentido das eleições, esforçando-se para obter a anulação de uma grande quantidade de cédulas. Nós, do PT, estamos muito preocupados com estas questões, mas estamos conscientes de que a luta do PT e a luta da classe operária não terminará com o processo eleitoral, que, na realidade, representa para nós um passo a mais na organização da classe operária. É unicamente por esta razão que nós aceitamos disputar as eleições e decidimos apresentar nossos candidatos.

FG

E o risco de intervenção direta dos militares?

LI

Em um país dirigido por militares, há sempre o risco de que a repressão militar possa se acentuar. Enquanto o povo não se organizar, enquanto ele não tiver uma consciência política, este  risco subsistirá. É por isto que a gente diz, no PT, que a coisa mais importante que temos a fazer é organizar a classe trabalhadora. Em seguida, caberá a ela decidir, por si mesma, o seu destino.

FG

O PMDB tenta atualmente exercer um tipo de chantagem sobre o processo eleitoral, com sua campanha dita do “voto útil”, proclamando que o PT não tem maturidade suficiente e que seus dirigentes não têm competência real que justifique sua pretensão de gerir os negócios do país. Este tipo de argumento poderá ter impacto sobre a opinião pública?

LI

Eu acredito que este argumento possa ter um certo peso de influência sobre o eleitorado. Em primeiro lugar, porque a experiência de participação política de nosso povo ainda é muito restrita. Ao longo de toda a nossa vida, e isso desde a proclamação da República, temos sido tratados como massa de manobra. O povo sempre foi induzido a acreditar que não existia para ele nenhuma possibilidade de se autogovernar e que seria preciso alguém que o dirigisse. 

Em segundo lugar, devido aos preconceitos de classe existentes em nosso país, muitos setores das camadas médias, em particular as camadas médias altas, e o conjunto da burguesia nacional consideram que a capacidade das pessoas é medida pela quantidade de diplomas ou pelo acúmulo de renda que têm nos bancos, ou por suas propriedades, seus títulos de comércio, etc. Uma das grandes tarefas do PT é, precisamente, desmistificar este erro histórico, segundo o qual nós só servimos para trabalhar. E provar que a administração de um Estado não é uma questão técnica, mas sim política.

Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2021/04/a-historica-entrevista-de-felix-guattari-com-luiz-inacio-lula-da-silva/

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