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O novo velho continente e suas contradições: Os boias frias da Europa

Por Celso Japiassu

Há redes internacionais que aliciam e exploram os trabalhadores migrantes. Alguns desses grupos foram desbaratados e chegaram aos tribunais portugueses. Cinco homens, três moldavos e dois romenos, estão sendo julgados em Beja por angariação, maus tratos e exploração de mais de cem trabalhadores moldavos e romenos em Ferreira do Alentejo.

Migrantes sem documentos do Norte da África e do Sul da Ásia são também explorados em condições semelhantes às de escravos em plantações da Espanha, Itália e Grécia.

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O fenômeno dos “boias frias”, trabalhadores rurais mantidos sem contrato e sem garantias, em condições indignas e sem direitos, a troco de remuneração miserável, em situação de quase escravidão, está geralmente associado aos países pobres com uma elite de poderosos proprietários. Mas não existe apenas no capitalismo rural dos países periféricos. Na rica Europa, continente reconhecido pela produção agrícola sofisticada e moderna, os boias frias existem e são da mesma forma explorados quase como escravos nestes tempos do neoliberalismo econômico. Eles estão presentes na colheita de aspargos da Suíça e da Alemanha ou na apanha de uvas e frutas vermelhas da França, Espanha, Portugal, praticamente em todos os países da União Europeia.

As desumanas e obscenas condições de trabalho tornaram-se piores nos tempos da pandemia.

A celebrada solidariedade europeia tem sido acusada de ser simples retórica diante do aprofundamento das desigualdades no mercado de trabalho neoliberal. Pouco antes da Páscoa, milhares de romenos, amontoados no saguão do pequeno aeroporto da cidade de Cluj, em plena pandemia, aguardavam os voos para a Alemanha para trabalharem na colheita de aspargos. Nas propriedades em que iriam trabalhar estavam reservados grandes alojamentos onde seriam despejados ao fim do dia, sem qualquer distanciamento ou proteção para evitar a propagação da Covid-19.

Diante do bem sucedido confinamento da população e do fechamento dos negócios, o governo de Portugal aliviou as restrições mas anunciou um cordão sanitário em Odemira, no Alentejo. Foi detectada nos campos da região uma rede de contágio entre os trabalhadores estrangeiros contratados para a colheita de legumes, oxicoco, mirtilo, groselha, cereja, morango, framboesa e amora, que formam o elenco da produção local. Alojados em construções precárias e com o trabalho interrompido pelo surto contagioso, cerca de 13 mil trabalhadores estão também ameaçados pela fome. “Vivemos em dois quartos com três pessoas cada e pagamos 120 euros por cama. Neste momento não estamos a trabalhar por causa da covid-19 e não temos dinheiro para comer”, disseram ao Jornal de Notícias Kamal Sharma e Dinesh Mahato, naturais do Nepal.

A exploração dos trabalhadores

A situação de Odemira foi denunciada pelo próprio primeiro ministro de Portugal. Por sua vez o presidente do concelho de Odemira acrescentou que são milhares de trabalhadores estrangeiros sem condições sanitárias e de habitabilidade. Odemira é apenas um exemplo do que acontece em quase todos os países europeus onde são contratados trabalhadores estrangeiros para as colheitas agrícolas.

Em Odemira foi feita uma vistoria nos locais de alojamento e o governo deu um prazo de 24 horas ao proprietário, arrendatário ou responsável para resolver a situação. Dispor de um local alternativo em que possa garantir condições de salubridade ou então promover o transporte para os locais identificados pelas próprias autoridades. Por seu lado os trabalhadores que testaram negativo para Covid-19 foram transferidos pelo governo para um complexo turístico. O presidente da república disse que é preciso “tirar lições de Odemira” e que “é preciso apurar o que há de ilegal e, eventualmente, de criminoso neste caso”.

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