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A receita solidária (e política) do MST contra a fome

Movimento distribuiu centenas de toneladas de alimentos em todo o país, vindos da Agroecologia. Mais que isso, uniu campo e periferia, esquecidos pelo governo, pelo direito humano à alimentação — e a uma Reforma Agrária, urgente e popular

Texto de Juliana Dias | Fotos: Wellington Lenon

“A pandemia desnudou inúmeras desigualdades e trouxe à tona a situação dramática e trágica do Brasil com políticas de destruição e violação permanente de direitos”. É o que afirma Maria Emília Pacheco, assessora da ONG Fase, integrante da Articulação Nacional de Agroecologia (ABA) e do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).

No entanto, Maria Emília sinaliza que há por todo o país uma potente mobilização de organizações sociais para oferecer comida de verdade, informação adequada e materiais de proteção contra o coronavírus às populações em situação de vulnerabilidade social, comunidades rurais, povos indígenas e quilombolas.

“Essas experiências mostram compromisso, empatia e cuidado de atuar como rede de solidariedade e resistência contrastando com a ausência do Estado e com uma propaganda que repetidamente vemos na televisão, a chamada filantropia empresarial”, destaca Maria Emília. As redes de solidariedade demonstram a capacidade de resistência, criatividade e de enfrentar o aumento da fome e da extrema pobreza.

Estas redes têm relação direta com processos políticos mais profundos ao trazer sinais de luta pela soberania alimentar, pela democracia e pela participação social; e também por questionar as formas tradicionais da ajuda humanitária. Os significados desses vínculos constituídos nessas bases “podem contribuir na nossa luta antirracista, na luta por igualdade de direito das mulheres e múltiplos significados”, afirma Maria Emília.

Para conhecer algumas dessas experiências e suas estratégias de ação em rede, a comissão organizadora da Conferência Popular, Democrática e Autônoma de SSAN realizou a segunda oficina virtual com o tema “Enfrentar a fome com a força de nossas lutas: solidariedade e resistência”, no dia 12 de agosto.

Que aprendizados trazem essas experiências tanto no enfrentamento das crises humanitárias, quanto na sinalização de caminhos e políticas possíveis de combate à fome, de abastecimento alimentar na luta pela soberania e segurança alimentar e nutricional, e do direito humano por alimentação?

Para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), a solidariedade é uma prática permanente e política, forjada ao longo de 40 anos de luta. Desde o início da pandemia, no mês de março, o MST doou mais de 3.200 toneladas de alimentos saudáveis em todo o Brasil. Somente no Estado do Paraná foram quase 500 toneladas.

Essa rede de solidariedade e resistência se intensificou em meio à calamidade e tem colocado o MST em contato direto com classe trabalhadora. De acordo com Ceres Hadich, assentada no Norte do Paraná e integrante da direção nacional do MST, própria base social do movimento tem se mobilizado para construir as ações de solidariedade. No entanto, ela denuncia o despejo da comunidade do Quilombo Campo Grande, localizado no Campo do Meio, Sul de Minas Gerais, por parte do governo mineiro. Há mais de 20 anos essa comunidade produz alimentos saudáveis e orgânicos. Ela alerta para o despejo de famílias, crianças, escola e uma comunidade sem-terra.

Na visão de Ceres, a saída para enfrentar as sucessivas crises no país é construir a solidariedade. Mas o que é solidariedade para os movimentos populares? “Solidariedade é o caráter da personalidade que construímos no nosso movimento. Entendemos a solidariedade como um legado da revolução cubana e compartilhar aquilo que nós temos e não aquilo que nos sobra”, explica.

Ceres diferencia solidariedade de caridade e demais práticas assistencialistas que são verticais, tendenciosas e não-libertadoras a partir de três perspectivas do MST: classe social, internacionalismo e doação.

A primeira perspectiva é o sentido de classe, o qual desperta a consciência dos trabalhadores e das trabalhadoras para compreensão dos seus problemas comuns, como a opressão e a exploração. O propósito é buscar saídas comuns. “Tem uma ligação direta com o fazer pensar e fazer se movimentar”, explica Ceres.

A segunda perspectiva do MST é o internacionalismo. A construção de projetos de nações soberanas está vinculada aos povos e classes trabalhadoras do mundo e as inúmeras necessidades de iniciativas. Não há contradição em construir uma visão internacional da solidariedade, a exemplo do povo cubano. “Assim, nos somamos às lutas de todos os povos excluídos e marginalizados no mundo”, afirma Ceres.

A terceira é a doação. Ceres explica que não se trata de doar do que sobra, mas aquilo que pode vir a fazer falta. “Assim como muitos de nós que já precisamos sermos ajudados, hoje nós podemos ajudar. Fundamentalmente, o grande sentido da nossa ação de solidariedade com a doação de alimentos, com as marmitas, com as máscaras, com os produtos de higiene, com o sabão, com tudo aquilo que temos podido doar, tem sido, sem dúvida nenhuma, essa grande mensagem que nós podemos levar junto com esses produtos a esperança ao povo”, declara Ceres.

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